Folha de S.Paulo

A grama do vizinho

É preciso pensar na qualidade dos gramados do Campeonato Brasileiro

- Paulo Vinicius Coelho Jornalista, autor de “Escola Brasileira de Futebol”, cobriu seis Copas e oito finais de Champions

O Palmeiras estreará o gramado artificial do Allianz Parque neste domingo (16), contra o Mirassol, e só fará isso porque entendeu que terá um campo melhor mais vezes por ano. O clube relutou e capitulou, porque não conseguiu fazer um terreno perfeito em cinco anos da arena.

Outro fator interferiu para que a direção palmeirens­e mudasse de ideia e optasse pela mudança. Em 2019, 8 de seus 26 jogos como mandante tiveram de ser no Pacaembu (7) ou Brinco de Ouro (1). Isso dá 30%.

Mandava uma, de cada três partidas, fora de casa.

“Vamos em busca de qualidade e da maior probabilid­ade de jogar em casa constantem­ente”, diz o presidente Maurício Galiotte.

Em teoria, evita-se marcar shows para dias de jogos decisivos, mas pode acontecer. Se o espetáculo ocorrer na véspera, o novo gramado permitirá bola rolando no dia seguinte. O jogo contra o Grêmio, eliminação da Libertador­es de 2019, teria acontecido no Allianz.

Desde 2016, o presidente do Conselho Deliberati­vo do Athetico-PR, Mario Celso Petraglia, diz que a única diferença entre jogar na Arena da Baixada ou em outros estádios brasileiro­s, é que em Curitiba não tem buraco. Quando se pisa ou se toca com a mão, é impossível dizer se a grama é sintética ou natural. É até irrigada como se estivesse em Wembley.

O texto parece uma defesa do campo sintético. Não é.

É óbvio que houve interesses comerciais e políticos da Fifa em liberar a grama artificial. Em 2004, a entidade proibiu um jogo de eliminatór­ias da Copa no campo sintético da Costa Rica. No ano seguinte, o Mundial sub-17 foi disputado em grama artificial no Peru.

Será sempre melhor se o Brasileiro for disputado em maioria de campos naturais. Em 2020, 10% do torneio será em grama artificial.

Mas o ponto central é jogar em bons terrenos.

Na década passada, o Manchester United lançou DVD com os primeiros mil gols da gestão de Alex Ferguson. Entre 1986 e 1992, as imagens das partidas disputadas entre novembro e março, no chuvoso inverno inglês, mostravam pântanos em vez de campos. Ainda que a tradição fosse o lançamento longo, dava para entender por que tudo era kick and rush na Inglaterra. Não dava para trocar três passes.

Muitos sinais de organizaçã­o ajudaram a aumentar o nível da Premier League. A influência estrangeir­a é uma delas. Mas se os campos não melhorasse­m, Cristiano Ronaldo, Rooney, De Bruyne, Salah e Mané não colocariam a bola no chão.

Na quinta (13), o Cruzeiro enfrentou o São Raimundo, em Roraima. Na véspera, o técnico Adílson Batista espantou-se com o mau estado do campo. “Estava acostumado a disputar a Libertador­es e não sabia como estava a Copa do Brasil.”

O Flamengo passou a cuidar e o Maracanã melhorou, mas com 78 jogos disputados em 2019, houve espanto pela ruindade do terreno. Jorge Jesus chegou a questionar por que o Fluminense jogava um dia antes e deixava o campo ruim para o Flamengo.

Mesmo assim, seu time jogou o melhor futebol do país.

O Allianz Parque será o segundo gramado sintético da Série A, o que impõe um desafio a quem organiza o Brasileiro. Não dá para ter o torneio inteiro assim, mas pode haver exceções. Por outro lado, é incrível pensar que Londres consegue ter campos perfeitos na tempestade e o Brasil tropical não impõe padrão de qualidade aos participan­tes da primeira divisão.

O campo do Palmeiras será bom, como é o do Athletico, do Corinthian­s, do Mineirão e... não muito mais. Passou da hora de exigir campos bons, para que os campeonato­s sejam bons.

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