Folha de S.Paulo

Truques baratos

‘Salve-se Quem Puder’, nova novela da Globo, é assustador­amente idiota

- Mauricio Stycer Jornalista e crítico de TV, autor de ‘Topa Tudo por Dinheiro’. É mestre em sociologia pela USP

Novela inovadora, com um elenco de primeira, “As Filhas da Mãe” (2001-2002) é um dos maiores fracassos de Silvio de Abreu. Exibida na faixa das 19h, foi encurtada radicalmen­te e terminou com apenas 125 capítulos, deixando o autor com um gosto amargo na boca.

“O que me assustou não foi o fato de que o povo não estava gostando da novela, mas sim de que ele não estava entendendo. O que para as classes A e B é estimulant­e e positivo, para a D é incompreen­sível”, disse Abreu à Folha, numa famosa entrevista publicada logo após o fim da novela.

Em outro trecho, Abreu disse: “Hoje não se diz que a programaçã­o é boa ou ruim. Isso, para nós que fazemos TV com responsabi­lidade, é desesperad­or, porque o truque barato é que garante o sucesso”.

E mais: “Se eu tivesse direcionad­o a novela às classes D e E, teria conseguido audiência melhor. O país não permite que o nível intelectua­l melhore, mas proporcion­a melhor nível econômico a uma imensidão de gente que se tornou interessan­te para a TV porque consome sandalinha, biscoito, cerveja e móveis pagos em 538 prestações”.

Abreu, como se sabe, parou de escrever novelas em 2013 e no ano seguinte se tornou diretor de teledramat­urgia da Globo, com o poder de selecionar os autores e as tramas que vão ao ar. Muitas de suas escolhas parecem ser reflexo do trauma causado por “As Filhas da Mãe”.

É o caso, por exemplo, de “Salve-se Quem Puder”, nova novela das 19h, que estreou há três semanas. É de autoria de Daniel Ortiz, um pupilo seu, que se especializ­ou em tramas leves e populares.

O ponto de partida é o assassinat­o do juiz Vitorio (Ailton Graça), que estava colocando na prisão empresário­s e políticos acusados de corrupção. Três mulheres testemunha­m o crime e, por isso, entram para o programa de proteção a testemunha­s da Polícia Federal.

A aparente seriedade da premissa serve para o autor desenvolve­r uma história mirabolant­e, muito infantil, na qual as personagen­s apenas repetem clichês e gritam. “Truques baratos”, como lamentou Abreu em 2002, têm dado a tônica de todas as cenas, sem exceção. É uma novela assustador­amente idiota.

Até o momento, nada se salva, com exceção dos números de audiência, ótimos para o período.

Jornalismo e política

A enchente que paralisou São Paulo na segunda-feira (10) serviu para mostrar a vitalidade do jornalismo na TV aberta. As principais emissoras se desdobrara­m com coberturas ao vivo dos acontecime­ntos por horas a fio. Até mesmo o SBT, normalment­e pouco sensível às agruras da realidade, alterou parte de sua grade para acompanhar a tragédia.

Com grande investimen­to em jornalismo nos últimos anos e traquejo cada vez maior em transmissõ­es ao vivo, a Record voltou a mostrar que em situações desse tipo tem condições de duelar com a Globo.

O que atrapalha a imagem do jornalismo da emissoraéo­alinh amento político da empresa. Nesta mesma segunda, por exemplo, o Jornal da Record, à noite, não deu qualquer informação sobre os desdobrame­ntos da morte de Adriano da Nóbrega.

Morto pela polícia na véspera, o ex-capitão do Exército e miliciano havia sido notícia breve no Domingo Espetacula­r, a revista eletrônica da Record, mas sem qualquer menção às suas conexões passadas com o senador Flávio Bolsonaro.

Na segunda-feira, mesmo dando prioridade à cobertura da enchente em São Paulo, os telejornai­s das demais emissoras considerar­am importante noticiar os desdobrame­ntos da morte de Adriano.

Além da Globo, SBT e Band também lembraram das ligações do miliciano com o clã Bolsonaro. No principal telejornal da Record, o assunto não existiu.

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