Folha de S.Paulo

Biografia percorre trajetória de Paulo Rónai da fuga à celebridad­e

- João Batista Natali

O Homem que Aprendeu o Brasil **** * Ana Cecilia Impellizie­ri Martins. Ed. Todavia. R$ 69,90 (384 págs.)

A história da inteligênc­ia e da literatura teriam sido bem mais pobres, no Brasil, caso Paulo Rónai (1909-1992) não tivesse por aqui se refugiado, em 1941, e iniciado carre irade filólogo, ensaísta e tradutor.

Uma coisa é acompanhá-lo pela produção quenos deixou, como “Mar de Histórias”, que por 44 anos editou em parceria com Aurélio Buarque de Holanda. Ou então os 17 volumes da “Comédia Humana”, de Balzac, em que coordenou uma equipe de tradutores e redigiu comentário­s e prefácios.

Outra coisa, no entanto, está nas tensões políticas e tristezas que afetaram esse judeu húngaro, um cidadão em todos os sentidos exemplar. Pois é esse o ângulo explorado por “O Homem que Aprendeu o Brasil”, biografia de Paulo Rónai recém-publicada por Ana Cecilia Impellizie­ri Martins.

A biógrafa exerce sua tarefa com duas motivações essenciais. De um lado, discorre sobre a história da Europa Central, que adoeceu com o nazismo e o antissemit­ismo. Ou com a história das relações complicada­s, por aqui, entre a intelectua­lidade e a ditadura do Estado Novo, no amadurecim­ento da indústria editorial.

O segundo atributo está no carinho que ela cultiva pela imagem de Rónai, obtendo a cumplicida­de do leitor no longo passeio por uma vida intensa, documentad­a em diários.

São exemplos disso o intelectua­l encurralad­o pelo racismo nacionalis­ta em Budapeste. Ró nai aprende o português e publica uma coletânea de poetas brasileiro­s. É internado por seis meses num campo de trabalhos forçados e, por fim, contorna o fechamento das fronteiras brasileira­s aos judeus.

Mas não consegue tirar da Hungria sua noiva, Magda. Os dois se casam por procuração. Mas ela é presa e assassinad­a pelos nazistas em janeiro de 1945. Tinha apenas 23 anos.

A inserção de Paulo Rónai nos círculos literários do Rio se deu por meio do rápido reconhecim­ento de suas qualidades intelectua­is. Com poucos meses de exílio, ele já fazia conferênci­a na Academia Brasileira de Letras. E lenão se aproximava propriamen­te das cele- bridades, havias e tornado uma delas. Seria amigo próximo de Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Cecília Meireles e Guimarães Rosa.

Um dos momentos fortes da biografia está nos efeitos do suicídio de Stefan Zweig, em 1942, na pequena comunidade de refugiados no Brasil. Embora não fosse próximo do já célebre romancista austríaco, o filólogo e tradutor de origem húngara se deslocou até Petrópolis para o velório.

Caso o pessimismo de Zweig tivesse fundamento, Hitler ganharia aguerra e de nada adiantaria fazer do Brasil um refúgio para judeus europeus.

Mas o desfecho do conflito foi outro, e Rónai, atarefadís­simo entre aulas, ensaios e traduções, respira com alívio, ao conseguir trazer a mãe e os irmãos para o Rio de Janeiro e ao se casar, em 1952, com a arquiteta italiana Nora Tausz.

O horizonte afetivo de Paulo Rónai muda então de consistênc­ia e de cor. Aos 43 anos, consagrado, ele passa a ter com Nora um convívio que o nazismo não permitiu que tivesse com a primeira mulher.

A partir de então, Rónai vive, até sua morte, a tranquilid­ade de uma soma de sucessos. É um conferenci­sta requisitad­o nos Estados Unidos e na Europa. E se muda para a casa de campo que construiu em Nova Friburgo, batizada de Pois É. Tema, aliás, sobre o qual Carlos Drummond de Andrade discorreu, em crônica no Jornal do Brasil.

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