Folha de S.Paulo

Apuração foi a mais difícil da minha carreira

- Chico Felitti

“A Casa” narra a história da Casa de Dom Inácio de Loyola desde sua fundação, no fim da década de 1970, até a prisão do líder místico João Teixeira de Faria, mais conhecido como João de Deus, em dezembro de 2018, acusado de estupro e assédio sexual por centenas de mulheres.

O livro intercala um capítulo do passado da Casa com um capítulo do presente de Abadiânia. Foi a apuração mais difícil da minha carreira. O medo de João Teixeira de Faria ainda impera na cidade. Ouvi centenas de relatos de abadianens­es. Histórias de pessoas que sumiram após se indispor com a Casa, de moradores que tiveram seus bens confiscado­s por capangas após brigar com João e de gente que enriqueceu graças aos milhares de dólares de gorjeta que recebiam de turistas estrangeir­os.

Era difícil convencer as pessoas da cidade, fiéis da Casa ou não, a contar suas histórias. E era mais difícil ainda dormir em paz na cidade. Em três encontros, os entrevista­dos, com quem eu nunca tinha encontrado, perguntara­m: “Ah, é você que está no quarto do segundo andar do Hotel Brasil?”. E eu estava.

A apuração durou quase todo o ano passado. Visitei a cidade meia dúzia de vezes. Passei uma semana dentro da seita, que em 2019 só recebeu dezenas de visitantes por dia, contra os mais de mil turistas que passavam pela Casa até dezembro de 2018.

O que vi foi uma cidade gangrenand­o. Abadiânia já sofre com um fluxo migratório que o poder público ainda não conseguiu computar. Famílias inteiras deixaram a cidade, rumo a Brasília ou a Goiânia. Das 90 pousadas que chegaram a funcionar no bairro Lindo Horizonte, construído ao redor da Casa, não restou nem uma dúzia em funcioname­nto.

Em três momentos, funcionári­os da Casa afirmaram que ela deixaria de funcionar. Mas, até 2 de fevereiro, o centro místico continua abrindo suas portas às 7h de quartas, quintas e sextas, como é tradição há 40 anos.

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