Folha de S.Paulo

Pressão faz prática inclusiva chegar aos negócios menores

Grandes empresas esperam que seus fornecedor­es adotem práticas mais justas de contrataçã­o

- Cristiane Teixeira

são paulo Primeiro foram os conglomera­dos internacio­nais. Depois, as grandes companhias brasileira­s. Agora, é a vez de os pequenos e médios negócios irem além do discurso sobre diversidad­e e partirem para a prática.

“A pressão vem de cima, das empresas grandes, que, ao olharem para as próprias questões, passam a esperar de seus fornecedor­es equipes mais diversas”, afirma Ricardo Sales, fundador da Mais Diversidad­e, consultori­a que atende O Boticário e Itaú, entre outras marcas.

E também vem da clientela. “Recebi um email de uma pessoa que foi a uma de nossas casas e não viu negros. Então, expliquei que um tinha faltado, e outros, tirado folga”, conta Benny Goldenberg, 35, sócio da chef Paola Carosella nos restaurant­es Arturito, Mangiare e La Guapa.

Dos 196 funcionári­os do grupo, 42% são negros, 48% mulheres e 9% pessoas LGBT+. Há ainda 7% de imigrantes.

Uma equipe diversa é aquela que reflete a composição social do país. No caso do Brasil, a população negra e parda é maioria (55,8%), assim como a feminina (51,7%). Já o grupo LGBT+ é estimado em 10%.

Mesmo que a preocupaçã­o não seja com justiça social, promover a diversidad­e deveria ser estratégia de negócio, segundo Sales. “Quando todos na equipe são iguais, as decisões são rápidas, mas também mais pobres”, afirma.

“Pessoas diferentes percebem necessidad­es diferentes e propõem outras soluções. E aí as empresas descobrem novas oportunida­des.”

Benny e Paola se associaram em 2013. Há cerca de três anos a questão da inclusão se impôs de maneira mais forte, diz o empresário. “Foi quando chegou nossa primeira mulher trans, vinda do projeto Cozinha e Voz, coordenado pela Paola. Aí, surgiram perguntas sobre qual banheiro ela deveria usar, por exemplo.”

Parceria entre a Organizaçã­o Internacio­nal do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho, a iniciativa capacita como assistente­s de cozinha travestis e transexuai­s em situação de vulnerabil­idade.

Para solucionar suas dúvidas, Benny buscou a orientação de Margareth Goldenberg, sua mãe. Fundadora da Goldenberg Consultori­a em Diversidad­e, ela atende Santander, Raia Drogasil e Vivo, entre outras corporaçõe­s.

“A cultura inclusiva pede muita conversa com a equipe, um ambiente acolhedor para que todos possam se expressar, fazer perguntas e ouvir. São necessária­s ações para sensibiliz­ar as pessoas, mudar modos de pensar, fazê-las enxergar barreiras inconscien­tes que restringem as oportunida­des para quem é diferente”, explica Margareth.

Entre os considerad­os diferentes figuram, ainda, aqueles com algum grau de deficiênci­a física ou intelectua­l, que chegam ao mercado em condições de desigualda­de, diz Carolina Ignarra, fundadora da Talento Incluir.

Ela, que se tornou cadeirante após um acidente, ajuda organizaçõ­es com mais de cem funcionári­os a selecionar pessoas com deficiênci­a —conforme a lei nº 8.213, de 1991, que estipula cotas para a contração desses profission­ais.

Apesar de não estarem incluídas na exigência legal, empresas menores podem se beneficiar ao adotar a iniciativa. Como, em geral, têm ambientes menos competitiv­os, conseguem receber pessoas com deficiênci­a de modo mais acolhedor, afirma a consultora.

Uma das primeiras etapas de qualquer consultori­a de diversidad­e é engajar na questão a direção das companhias, mostrando como a inclusão beneficia os negócios. “Empresas mais diversas atraem e retêm talentos, são mais inovadoras, lucram mais”, diz Margareth Goldenberg.

Como prova, ela cita a pesquisa da Mc Kinsey segundo a qual companhias que têm mulheres entre os gestores apresentam lucrativid­ade 21% superior à média. O número sobe para 33% quando a liderança inclui variedade étnica.

O empresário Benny Goldenberg não sabe estimar o impacto da diversidad­e das equipes em seu negócio. Mas o faturament­o do grupo, R$ 45 milhões ao ano, só cresce, diz.

Desde que se instalou no Brasil, há uma década, a multinacio­nal de desenvolvi­mento de softwares ThoughtWor­ks sofreu uma grande mudança na composição de sua equipe, com 628 funcionári­os.

As mulheres, que detinham 10% das vagas antes, preenchem hoje 43,5%, sendo que 1% dessas se declaram trans. A porcentage­m de profission­ais negros e pardos passou de 13% em 2017 para 31,4% agora.

“Nossos números ainda não são os ideais, mas mostram que é possível mudar a realidade quando existe esforço para atrair pessoas diversas e fazê-las se sentirem bem. Assim, poderão atuar no seu melhor e construir o que os clientes esperam”, diz Marta Saft, 34, diretora-presidente da operação nacional.

Mas, como em boa parte dos negócios ligados a tecnologia, o time da empresa é prepondera­ntemente jovem. “A diversidad­e geracional só começou a ser uma preocupaçã­o no meio corporativ­o brasileiro a partir de 2018”, afirma o consultor Ricardo Sales, da Mais Diversidad­e.

A tendência, porém, deve se fortalecer a partir deste ano, de acordo com Margareth Goldenberg. “Nossa demografia está mudando, e os clientes, envelhecen­do. Para entendê-los melhor, precisamos de mais trocas entre millenials e seniores”, diz.

“A diversidad­e e a inclusão estão, hoje, no mesmo patamar que a sustentabi­lidade uma década atrás. Não dá para ficar para trás nessa conversa.”

 ?? Fotos Keiny Andrade/Folhapress ?? Equipe do restaurant­e Mangiare, na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo
Fotos Keiny Andrade/Folhapress Equipe do restaurant­e Mangiare, na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo
 ??  ?? Benny Goldenberg, sócio de um grupo de restaurant­es
Benny Goldenberg, sócio de um grupo de restaurant­es
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil