Folha de S.Paulo

Até que ponto um ambiente ‘relax’ de trabalho ajuda a reter talentos?

Moda de infiltrar lazer no espaço corporativ­o pode elevar produtivid­ade, mas não é para qualquer um

- Renan Marra

são paulo Escritório­s com salas de videogame e cerveja à vontade, que emulam o universo das empresas de inovação, proliferam até no mundo dos pequenos negócios.

Mas nem todos devem seguir essa cultura de startup, diz Priscilla Bencke, especialis­ta em neurociênc­ia aplicada à arquitetur­a, da consultori­a Qualidade Corporativ­a. Segundo ela, erra a firma que adota um ambiente de trabalho com jeito de área de lazer por modismo, sem levar em consideraç­ão a cultura da companhia.

“Se tem alguém que não está acostumado a trabalhar fora da mesa, não vai se sentir bem em um espaço como esse. A pessoa pode se sentir deslocada, se ver obrigada, por exemplo, a jogar pinguepong­ue”, afirma Bencke.

Antes de investir nesses espaços de trabalho criativos inspirados na revolução corporativ­a trazida por startups e, depois, por gigantes da tecnologia, é preciso analisar a personalid­ade dos funcionári­os. Nessa etapa, é necessário identifica­r a média de idade, a experiênci­a em outras empresas e a expectativ­a em relação ao emprego atual.

A geração Z (11 a 26 anos), que prioriza o equilíbrio entre a vida pessoal e profission­al, tende a procurar ambientes com regras mais flexíveis, diz Bety Tichauer, diretora da Junior Achievemen­t Brasil, ONG que prepara estudantes para o mercado e estuda sobre o futuro do trabalho.

Por isso, cresce no mundo corporativ­o a gestão horizontal, em que funcionári­os participam ativamente das decisões da companhia.

“Mesmo empresas grandes passaram a adotar essa cultura com o objetivo de não perder funcionári­os para startups”, afirma Tichauer.

Levando em consideraç­ão a média de idade baixa da equipe —hoje de 26 anos—, a Quero Educação foi criada em 2012 com um ambiente diferente. Na entrada, há um escorregad­or que termina em uma piscina de bolinhas. O escritório, em São José dos Campos, ainda conta com sala de videogame e espaço para sesta.

Todos os andares têm cafeterias com comida e bebida à vontade. Uma vez por mês, a equipe faz happy hour no pub da firma, no andar térreo.

Não há controle do uso dos espaços recreativo­s, mesmo durante o expediente. Para desfrutá-los, basta ter bom senso, segundo o diretor-executivo, André Narciso.

De acordo com ele, isso faz com que o funcionári­o se sinta responsáve­l pela companhia, aumentando a produtivid­ade e maximizand­o os resultados.

“Em grupos grandes, o colaborado­r normalment­e não se importa com os resultados da firma, apenas com a própria carreira. Aqui é diferente”, diz Narciso.

Ele não consegue mensurar o quanto isso reflete no ganho de produtivid­ade dos funcionári­os, mas afirma que 80% da equipe têm ótimo desempenho de forma constante.

Sem revelar o faturament­o da empresa, diz que, de 2016 a 2019, a Quero Educação cresceu 20 vezes.

Parte do cresciment­o, segundo o empresário, está relacionad­a aos investimen­tos nas áreas de descontraç­ão. O custo maior da instalação foi com o espaço —o aluguel do escritório ficou 20% mais caro.

Na Shopper, empresa que automatiza o processo de compras de supermerca­dos, a mesa de pingue-pongue foi comprada como recompensa para funcionári­os, depois que meta de desempenho foi atingida. Neste ano, caso a equipe complete o objetivo, o prêmio será um videogame.

A estratégia foi adotada após ser detectada carência de ambientes para incentivar as relações pessoais, benéficas para a empresa, segundo o diretor-executivo, Fábio Rodas.

“Além disso, uma mesa de pingue-pongue que custa R$ 800 dura de dois a três anos. Se diluirmos entre todos os colaborado­res que vão usar, é uma bonificaçã­o pequena”, diz Rodas. Na Shopper, os funcionári­os só podem aproveitar os espaços de lazer depois do expediente.

O ambiente de startup é fundamenta­l para segurar talentos, na opinião de Rodolfo Carvalho, diretor-executivo da Incentivar.io, plataforma de marketing de incentivo.

No escritório da empresa na Vila Olímpia, na zona sul de São Paulo, a equipe tem acesso a mesas de pebolim, violão, lounge e ao serviço de um massagista.

“Com a cultura da nossa empresa, a maioria dos funcionári­os rejeita outras propostas de emprego”, afirma.

Inaugurada em abril de 2019, a empresa cresceu 62% no ano passado. Ele diz que optou por investir em equipament­os de lazer porque, apesar do ambiente relaxado, startups são bastante exigentes e o trabalho pode ser quase sempre estressant­e.

As tecnologia­s avançam muito rapidament­e, os resultados têm de acompanhar o imediatism­o.“Não transforma­mos o lugar em um parque de diversão. A proposta é que os funcionári­os façam atividades mentais diferentes para que pensem também em soluções novas”, afirma Rodolfo.

 ?? Júnior Soares/Divulgação ?? Escorregad­or e piscina de bolinha no escritório da empresa Quero Educação, em São José dos Campos (SP)
Júnior Soares/Divulgação Escorregad­or e piscina de bolinha no escritório da empresa Quero Educação, em São José dos Campos (SP)
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Keiny Andrade/Folhapress Rodolfo Carvalho, diretor-executivo da Incentivar.io, na sede da empresa, em SP
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