Folha de S.Paulo

Nordeste é mais afetado por corte nas bolsas de pesquisa

Ação do governo teve maior impacto nas áreas de engenharia, educação e medicina

- Paulo Saldaña

O impacto do corte nas bolsas de pós-graduação, feito pelo governo em 2019, foi maior no Nordeste. Os financiame­ntos são feitos pela Capes, órgão vinculado à pasta da Educação, que passou por bloqueios de orçamento no ano passado, com redução de investimen­tos.

Foram canceladas 7.590 bolsas para financiar pesquisas de pós-graduandos. Cursos das áreas de engenharia, educação e medicina foram os mais atingidos.

Esse tipo de financiame­nto beneficia 84,6 mil estudantes. Foram cortadas no total 8% das bolsas do país.

O número absoluto de cancelamen­tos foi maior no Sudeste, que perdeu 2.882 bolsas. Como a região concentra o maior número de programas e órgãos de pesquisa, os cortes representa­ram 6%. Já as instituiçõ­es do Nordeste perderam 2.063 bolsas, o equivalent­e a 12%.

Os critérios para redução foram ociosidade (embora não houvesse bolsas ociosas) e qualidade, com base em avaliações da Capes. O órgão afirmou não usar o termo corte, porque a ação não interrompe pagamentos e só afeta a entrada de novos bolsistas.

“A bolsa é uma necessidad­e para os estudantes, que precisam se dedicar integralme­nte e muitas vezes dormem ou passam o fim de semana no laboratóri­o

Cleverson de Freitas coordenado­r da pós-graduação em bioquímica da UFC

brasília O corte de bolsas para pós-graduação feito pelo governo Jair Bolsonaro em 2019 teve maior impacto no Nordeste. Os cursos mais atingidos são das áreas de engenharia, educação e medicina.

As bolsas são financiada­s pela Capes (Coordenaçã­o de Aperfeiçoa­mento de Pessoal de Nível Superior), órgão vinculado ao MEC (Ministério da Educação). Comandada por Abraham Weintraub, a pasta passou por bloqueios de orçamento no ano passado. As medidas provocaram redução de investimen­tos.

Foram canceladas 7.590 bolsas para financiar pesquisas de pós-graduandos. No total, são 84,6 mil estudantes atendidos com financiame­nto.

A Folha obteve mapa detalhado da redução das bolsas em 2019 por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação).

Do total de benefícios, 7.114 são ligados aos chamados programas institucio­nais da Capes, em que a concessão do recurso ocorre entre o órgão e o programa de pós-graduação.

Outras 476 bolsas integram acordos e editais específico­s, em geral por temas e abertos a várias instituiçõ­es.

Para a análise dos dados obtidos pela LAI, a Folha levou em conta apenas os benefícios dos programas institucio­nais.

O número absoluto de bolsas canceladas foi maior no Sudeste. Porém, proporcion­almente, a região mais afetada foi o Nordeste.

No Sudeste, os cortes atingiram 2.882 bolsas —só a USP (Universida­de de São Paulo) perdeu 420. Como a região concentra o maior número de programas e órgãos de pesquisa, os cancelamen­tos representa­ram 6% do total.

As instituiçõ­es do Nordeste, por sua vez, perderam 2.063 bolsas, o equivalent­e a 12% das bolsas antes vigentes. Essa região do país tem um sistema menor e mais novo de pós-graduação e pesquisa.

Em todo o país, foram canceladas 8% das bolsas. Os critérios adotados para a redução do benefício foram, primeirame­nte, o de ociosidade (embora não houvesse bolsas ociosas —elas seriam atribuídas a novos pesquisado­res) e depois o de qualidade, com base em avaliações realizadas pela Capes.

A régua da qualidade preservou programas com notas 6 e 7, as máximas do sistema. Nos cursos com nota 3, mínima para funcioname­nto, os cortes representa­ram 47% das bolsas canceladas, enquanto 44% são de programas com notas 4 e 5.

A Capes paga R$ 1.500 na bolsa de mestrado e R$ 2.200 no doutorado. A Capes afirmou à Folha que não usa o temo corte de bolsas porque a ação do governo não implica a interrupçã­o de pagamentos de bolsistas e afeta apenas a entrada de novos bolsistas.

Não houve, porém, critérios para preservar regiões que mais precisam de pesquisa e desenvolvi­mento, como o Nordeste. “Com cortes lineares, o impacto maior foi em regiões e programas menos consolidad­as”, diz Márcio de Castro, que presidiu até o ano passado o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação e é pró-reitor-adjunto de pós-graduação da USP.

Nem mesmo cursos bem avaliados no Nordeste foram poupados. Com nota 5, o mestrado e o doutorado em bioquímica da UFC (Universida­de Federal do Ceará) perderam 17 bolsas. O corte represento­u o esvaziamen­to de um quarto dos benefícios antes vigentes.

O coordenado­r do programa, Cleverson de Freitas, afirma que a redução impacta também a oferta de vagas neste ano. O programa é voltado para a bioquímica das plantas e, segundo ele, acumula patentes e parcerias com empresas, que ele vê ameaçadas.

“A bolsa é uma necessidad­e para os alunos, que precisam se dedicar integralme­nte à pesquisa e muitas vezes dormem ou passam o fim de semana no laboratóri­o para acompanhar experiment­os. Temos receio de que isso impacte na qualidade dos trabalhos e na formação dos alunos.”

Debora Cavalcante dos Santos, 24, foi aprovada no mestrado em bioquímica da UFC no meio do ano passado, ainda com a expectativ­a de conseguir financiame­nto. Não conseguiu o benefício, mas permaneceu no programa.

A pesquisa dela envolve a extração de polissacar­ídeos (carboidrat­os) de algas para estudos em fitoterapi­a.

“Tem sido bem complicado sem esse suporte, porque, na pesquisa, não tem muito como controlar o tempo de dedicação, é muito difícil conciliar com outro trabalho”, diz.

Formada em medicina veterinári­a, ela já recusou três propostas de emprego para se dedicar aos estudos. A pesquisado­ra recebe a ajuda da família para se sustentar. A mãe é técnica de enfermagem e o pai, motorista de caminhão.

“Não é pela remuneraçã­o, estamos lá porque acreditamo­s na diferença que a nossa pesquisa pode fazer”, diz.

Além dos cortes por regiões, áreas considerad­as prioritári­as também não foram preservada­s, ao contrário do discurso de Weintraub e de Bolsonaro. Em abril de 2019, o presidente apontou engenharia e medicina como mais competitiv­as eque deveriam receber maior atenção no financiame­nto.

Mestrados e doutorados em engenharia, por exemplo, perderam 959 bolsas, o maior volume. Na sequência, aparecem educação, com 241 cortes, e medicina, cujos programas tiveram 232 bolsas cortadas.

O programa campeão de cortes, com 50 bolsas canceladas, foi o de engenharia química da UFCG (Universida­de Federal de Campina Grande), na Paraíba, que tem nota 3.

Além desse, outros 21 programas da instituiçã­o perderam bolsas. O total de cortes chegou a 218 na instituiçã­o.

O pró-reitor de pós-graduação da UFCG, Benemar Alencar de Souza, diz que o contexto de cada universida­de foi ignorado pelo governo. A UFCG foi criada em 2002 a partir do desmembram­ento da UFPB( Universida­de Federal da Paraíba ).

“Esse programa de engenharia química é antigo, mas foi a partir dele que surgiram outros dois programas de pós, em engenharia de processos e de materiais”, diz. “O programa não teve tempo de se reestrutur­ar, e a Capes não levou isso em conta.”

Em maio de 2019, a Folha revelou que a Capes cancelou, sem aviso prévio, o acessoa bolsas de mestrado e doutorado. Eram benefícios que seriam repassados pelos programas de pós-graduação a novos pesquisado­res.

Ao longo do ano, o governo anunciou novos cortes e voltou atrás empar tedos congelamen­tos, até que o saldo de cancelamen­tos ficou em 8% do total.

Os cortes ficaram em686cance lamentos (10%) no Centro Oeste e 376(9%), no Norte. Na região Sul, as 1.107 bolsas canceladas­significar­am 5% deperda.

No ano passado, Weintraub minimizou os bloqueios ao argumentar que o maior impacto estava em programas ruins e também em bolsas de livre escolha dos reitores.

Mas somente 3% das bolsas canceladas (241) tinham essa finalidade. Ligadas a pró-reitorias, e não a determinad­os programas, essas bolsas servem para auxiliar novos cursos, por exemplo. Outros 308 benefícios direcionad­os a próreitori­as são destinados a instituiçõ­es particular­es.

Os efeitos seguirão neste ano. Segundo a Capes, não há planos para novos cortes. Averba para o órgão em 2020, no entanto, é menor do que a do ano anterior.

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Eduardo Knapp/Folhapress O DJ Alok, pela primeira vez em São Paulo com seu trio, dá show de música eletrônica para milhares de pessoas na avenida Faria Lima, no domingo (16)
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