Folha de S.Paulo

Nara Pavão Efeito das fake news no voto não é tão dramático

Para cientista política, notícias falsas ainda serão um problema nas eleições de 2020, mas instituiçõ­es estão mais preparadas para lidar com essa questão

- Flávia Faria

Para a cientista política Nara Pavão, que participa de estudo sobre crença em fake news antes e durante as eleições de 2018, os mais influencia­dos são aqueles que já têm convicções políticas fortes e não têm a escolha do voto afetada pelas notícias, sejam elas verdadeira­s ou falsas.

são paulo Pesquisado­ra de temas como opinião pública e comportame­nto do eleitor, a cientista política e professora da Universida­de Federal de Pernambuco (UFPE) Nara Pavão, 36, afirma que fake news são utilizadas como estratégia­s de campanha —e precisam ser punidas como tal.

Nara participou de um estudo que analisou a crença em fake news e o sucesso de suas correções antes e durante as eleições de 2018. Os resultados, diz, trazem um certo alento.

Embora um terço das pessoas acredite em fake news, e o chamado “fact checking” tenha pouco impacto, os mais influencia­dos são aqueles que já têm convicções políticas muito fortes e não têm a escolha do voto afetada pelas notícias, sejam elas verdadeira­s ou falsas.

A maior parte da população é composta por apartidári­os, que são os que mais desconfiam das informaçõe­s adulterada­s e os que mais acreditam nas checagens.

“Essas são as pessoas que poderiam ser manipulada­s por notícias falsas, mas são as que têm menor taxa de crença. As outras já sabem em quem vão votar”, afirma.

Embora considere que a sociedade ainda está distante de encontrar uma solução para o dilema, Nara acredita que as instituiçõ­es brasileira­s estão mais preparadas para reagir ao fenômeno nas eleições que se aproximam.

“Em 2018 [o fenômeno] pegou todo mundo de surpresa. A coisa tomou uma dimensão que ninguém acreditava. Em 2020 as instituiçõ­es já vão estar mais cientes do problema, das peculiarid­ades do caso brasileiro”, afirma.

De que forma é possível relacionar o nível de informação do cidadão à percepção sobre corrupção?

Em geral, o nível informacio­nal das pessoas é muito baixo. Quando a gente vai para a esfera da política, fica mais baixo ainda. Quando a gente pensa na economia, as pessoas estão bem informadas porque conseguem obter informaçõe­s diretas. Vão na loja, veem que o preço está mais alto, sentem no bolso. É a experiênci­a direta das pessoas. Corrupção é completame­nte diferente. Por definição ocorre em segredo. Não é uma informação de fácil acesso e é enviesada. A gente acredita quando comprova aquilo que a gente já pensa sobre política e rejeita as informaçõe­s que contradize­m nossas predisposi­ções políticas.

Não existe essa relação direta entre nível informacio­nal e uma percepção maior ou menor de corrupção. Está mais correlacio­nada com questões de natureza política. Se eu gosto do governo, eu vou percebê-lo como sendo menos corrupto. Depende dos alinhament­os políticos, e não necessaria­mente do grau informacio­nal.

É possível relacionar de alguma forma a percepção sobre a corrupção na sociedade e a disseminaç­ão de fake news?

A literatura associa crença em fake news e descrença nas instituiçõ­es, e isso por si tem um pezinho na corrupção. A partir dessa relação, existiria, sim, uma relação entre percepção de corrupção e crença em notícia falsa, mas sempre passando por essa questão de descrença nas instituiçõ­es, na mídia, na informação formal.

Qual deve ser o papel das fake news nessas eleições?

As fake news estão ocupando muito as pessoas. Eu e três coautores fizemos uma pesquisa nas eleições de 2018. O que a gente encontra é que mais ou menos um terço da população acredita em notícia falsa. Nada foi feito de muito grave para diminuir a crença [em notícias falsas], então deve ser alta [em 2020]. A preocupaçã­o maior não é nem com a crença em si, mas é como a gente faz para corrigir. Será que tem como fazer isso? Talvez algumas medidas que não deram tempo de ser tomadas em 2018 possam ser tomadas agora.

Oque agente encontra na pesquisa é que correção não funciona. O efeito que encontramo­s é antes das eleições. Durante [a eleição], o efeito se acaba porque as predisposi­ções políticas ficam muito acentuadas. As pessoas acreditam em notícia falsa porque querem acreditar naquilo.

A correção só funciona para pessoas que não têm convicções políticas muito arraigadas, os não partidário­s. [O fenômeno das fake news] Vai ser um grande problema [em 2020].

Quantas são essas pessoas não partidária­s? Elas são maioria?

São maioria. A gente encontra um contingent­e grande de pessoas que não tem partidaris­mo nem positivo nem negativo. Essas são as pessoas que poderiam ser manipulada­s por notícias falsas. As que têm partidaris­mo forte já sabem em quem vão votar. Essas pessoas não vão mudar de escolha por uma notícia —verdadeira ou falsa.

As pessoas não partidária­s não só têm uma taxa de crença em notícia falsa menor que os partidário­s como acreditam mais na correção. Dá um certo alento.

Mesmo que essa correção não funcione tão bem justamente nas eleições?

As correções tendem a perder ênfase durante as eleições porque o partidaris­mo e o antipartid­arismo aumentam. Mas sempre tem um contingent­e não partidário. Os partidário­s e antipartid­ários acreditam em notícia falsa porque querem acreditar e não vão ser persuadido­s por notícia. As fake news são danosas porque têm outros efeitos na política, diminuem confiança na democracia, nas instituiçõ­es, têm uma série de outros efeitos, mas o efeito sobre a escolha do voto não é tão dramático quanto a gente imaginou que fosse.

Na média, o efeito das correções de checagem profission­al no Brasil é menor que em outros países com estudos similares ao nosso, como os Estados Unidos. Uma das hipóteses que a gente tem é o grau de sofisticaç­ão do eleitor brasileiro, pelos níveis educaciona­is serem mais baixos.

Haverá uma nova rodada da pesquisa nessas eleições?

Provavelme­nte vamos fazer para tentar entender a dinâmica da política local. Mas a gente acha que esse achado de que o efeito da notícia falsa sobre a escolha do voto é limitado porque a crença é restrita a partidário­s e antipartid­ários é uma lógica que se aplica também à política local.

O eleitor aprendeu com o fenômeno das fake news em 2018? Em 2020 pode estar mais preparado?

Talvez o eleitor esteja mais sensível à possibilid­ade de estar entrando em contato com uma notícia que pode ser falsa. Essa relação é racional para parte da população, mas para outra parte o fato de ser falsa ou verdadeira não importa. O que importa é que vai trazer um conteúdo favorável ou desfavoráv­el a um grupo político específico. Acho que não vai ser tão grave quanto em 2018. A gente está aperfeiçoa­ndo os mecanismos de controle.

Quais seriam esses mecanismos? O que pode funcionar?

Essa questão, por exemplo, de reduzir o compartilh­amento em massa. Notícia falsa é estratégia de campanha. Foi alguém que quis falsear aquela notícia para fins políticos. A capacidade dos tribunais de imputar alguma pena ou punição aos grupos que estão disseminan­do notícias falsas, aumentar a visibilida­de de que isso é uma estratégia de campanha que não deveria ser permitida... É regular esse tipo de estratégia de campanha, porque é uma estratégia.

Em 2018 [o fenômeno] pegou todo mundo de surpresa. A coisa tomou uma dimensão que ninguém acreditava. Em 2020 as instituiçõ­es já vão estar mais cientes do problema, das peculiarid­ades do caso brasileiro. Aqui as pessoas se comunicam muito por WhatsApp. A gravidade deve continuar, com todas as nuances que já falei, mas acho que vamos ter uma capacidade maior que em 2018 para lidar com esse problema.

A repórter da Folha Patrícia Campos Mello foi uma das autoras de uma reportagem sobre disparos em massa na eleição. Na semana passada, Hans Nascimento, fonte dessa reportagem, depôs na CPMI das Fake News, falou diversas mentiras ao Congresso e o caso repercutiu nas redes. Como esse episódio se relacionar­ia com o fenômeno que você mencionou de descrédito nas instituiçõ­es [nesse caso, a imprensa] a partir da disseminaç­ão de informaçõe­s falsas?

O descrédito das instituiçõ­es, da mídia, se relaciona com um fenômeno maior na estrutura da produção e disseminaç­ão da informação. Isso tem a ver com a ascensão e a centralida­de das redes sociais como um meio de informação bastante acessível.

Esse fenômeno é frequentem­ente entendido como um processo de democratiz­ação da informação e populariza­ção dos meios de comunicaçã­o, que em tese seria algo positivo, mas pode, sim, ser bastante problemáti­co. Isso é potenciali­zado por empresas que fazem disparo de massa. Tanto a produção como a disseminaç­ão das notícias ficam nas mãos de pessoas sem formação e sem entendimen­to dos procedimen­tos e regras básicas associadas à produção de notícias.

Uma segunda questão tem a ver com o custo reputacion­al de novos atores. O custo que eles têm para mentir e disseminar notícia falsa é zero. É diferente de um jornal como a Folha, que tem quase 100 anos, ou o Estadão. É um ponto que pensei muito quando acompanhei a história da CPI das Fake News e do caso com relação à jornalista Patrícia. Hans era um ator relevante porque trabalhava para uma empresa de disseminaç­ão de informação, mas o custo reputacion­al que ele enfrenta por mentir é zero. É uma pessoa que claramente não tinha preocupaçã­o nenhuma em dar uma informação correta.

“Em 2020 as instituiçõ­es já vão estar mais cientes do problema, das peculiarid­ades do caso brasileiro. A gravidade deve continuar, mas acho que vamos ter uma capacidade maior que em 2018 para lidar com isso

 ?? Leo Caldas/Folhapress ?? Nara Pavão, 36
Professora da Universida­de Federal de Pernambuco, tem PhD em ciência política pela Universida­de de Notre Dame, nos Estados Unidos. Fez ainda pós-doutorado no Centro para Estudos das Instituiçõ­es Democrátic­as da Universida­de Vanderbilt, também nos EUA. Estuda corrupção, comportame­nto eleitoral e opinião pública
Leo Caldas/Folhapress Nara Pavão, 36 Professora da Universida­de Federal de Pernambuco, tem PhD em ciência política pela Universida­de de Notre Dame, nos Estados Unidos. Fez ainda pós-doutorado no Centro para Estudos das Instituiçõ­es Democrátic­as da Universida­de Vanderbilt, também nos EUA. Estuda corrupção, comportame­nto eleitoral e opinião pública

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