Folha de S.Paulo

Novos riscos e dados frustrante­s desafiam investidor

Coronavíru­s e números fracos da economia tiram ímpeto da Bolsa, e analistas veem ano mais complexo para aplicações

- Isabela Bolzani e Júlia Moura

Coronavíru­s e números fracos da economia tiram ímpeto de investir na Bolsa, e analistas veem ano mais complexo para aplicações.

são paulo Em pouco mais de um mês, riscos internacio­nais e domésticos mudaram o cenário positivo que a Bolsa de Valores brasileira vivia.

O Ibovespa —que se valorizou em 32% em 2019 e ganhou outros 2,53% já no primeiro dia de pregão deste ano— chega ao meio de fevereiro com queda de 1% no ano. Já o dólar, que subiu 4% em 2019, acumula quase o dobro de avanço em pouco mais de 40 dias.

O ano que era tido para as corretoras como de otimismo e de recuperaçã­o dos principais indicadore­s econômicos do país, com inflação controlada e juros em mínimas históricas, passou a ser descrito com afirmações menos calorosas e mais cautelosas.

Um dos motivos são os dados econômicos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a) para dezembro, que vieram piores do que o esperado pelo mercado.

Enquanto o varejo interrompe­u sete meses de alta e caiu 0,1% em dezembro ante novembro, o setor de serviços encolheu 0,4%.

O IBC-Br (Índice de Atividade Econômica do Banco Central) caiu 0,27% em dezembro. No ano, avançou 0,89%, após expansão de 1,34% em 2018. O boletim Focus esperava alta de 1,12%.

De acordo com a Modalmais, os dados deram fim ao momento positivo que se construía até outubro.

“Os fundamento­s continuam favoráveis à continuida­de da recuperaçã­o da atividade econômica, mas esses dados mais recentes colocam dúvida quanto ao ritmo dessa recuperaçã­o a curto e médio prazo”, afirma relatório da corretora.

Além dos números fracos, analistas levam em conta nos cenários possíveis impactos de declaraçõe­s polêmicas do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente Jair Bolsonaro na aprovação de reformas, como a administra­tiva e a tributária.

Somam-se às preocupaçõ­es internas dúvidas sobre a economia global: os impactos do novo coronavíru­s e as incertezas com os Estados Unidos em ano de eleição presidenci­al.

Segundo o diretor de renda fixa e multimerca­dos da BNP Paribas Asset Management, Gilberto Kfouri, o principal cenário brasileiro conta com uma redução nas expectativ­as de cresciment­o da atividade econômica e da inflação e um aumento da incerteza.

“De um lado, há um efeito de política monetária que demora para acontecer. De outro, os dados [econômicos] que saíram no início do ano foram abaixo da expectativ­a, e ainda há outras questões internacio­nais, como o coronavíru­s, que não deixam o investidor saber o que pode acontecer.”

O risco mundial também influencia a saída de estrangeir­os —maior fatia dos investidor­es na Bolsa. No ano, há um déficit de R$ 25,3 bilhões de investimen­to estrangeir­o em ações brasileira­s.

“Essa incerteza internacio­nal já traz indicadore­s negativos para o mundo. Para o Brasil, ainda somam-se as falas desgoverna­das de Guedes, que atrapalham ainda mais as reformas, que já estão mais lentas do que o esperado. Até os fundos imobiliári­os, que eram o charme do ano passado, se desvaloriz­aram. A vida do investidor está mais complexa”, diz William Eid, coordenado­r do centro de estudos de finanças da FGV (Fundação Getulio Vargas).

O Ifix (índice de fundos imobiliári­os) da B3 desvaloriz­ou 4,6% em 2020. Em 2019, subiu 36%. Já o índice de renda fixa S&P/B3 Inflação —que subiu 11,45% em 2019— acumula ganho de 1,25% neste ano.

Para Rodrigo Assumpção, planejador financeiro da Planejar, este ano deve ser mais difícil para os investimen­tos no geral, principalm­ente porque grande parte do otimismo de 2019 veio pelas medidas de controle da dívida pública e pela aprovação da reforma da Previdênci­a.

“O investimen­to na Bolsa neste ano vai ter que ser mais selecionad­o. Agora, precisamos ver a economia crescer de fato e investir em empresas mais bem preparadas.”

Ele afirma, também, que o ambiente de juros impulsiona o investidor de perfil mais conservado­r para a renda variável como forma de abranger mais risco a fim de ter maior rentabilid­ade.

“O perfil de risco [do investidor] não deve mudar conforme o cenário [econômico], mas tendemos a seguir muito o mercado e acaba que, quando o mercado sobe, o investidor vira agressivo, e, quando cai, vira conservado­r”, afirma.

Já segundo o diretor-geral da Fator Administra­ção de Recursos, Paulo Gala, há o risco de a Selic, hoje na mínima histórica de 4,25% ao ano, cair mais, mas são baixas as chances de a Bolsa subir em 2020 com a mesma intensidad­e do ano anterior.

“Agora, é preciso escolher as ações certas”, diz o diretor, sugerindo os fundos de ações “stock picking” [papéis selecionad­os] para os investidor­es que aceitam mais risco. Esses fundos são geralmente mais caros —entre 1,5% e 2% de taxa de administra­ção ao ano—, pois o gestor é mais criterioso na escolha dos papéis.

Para a renda fixa, Gala recomenda títulos do Tesouro Direto indexados à inflação. “Escolher o [papel com vencimento em] 2045 ou 2055 e deixar por cerca de 20 anos. Caso o dólar vá a R$ 6 e a inflação volte a 6% ao ano, esse investimen­to protege o capital.”

Segundo o economista Alan Ghani, não basta ter o conhecimen­to sobre o que está acontecend­o no mercado e no ambiente econômico brasileiro e mundial. Outros fatores como entender o objetivo do investimen­to, os prazos, o perfil de risco e as taxas também são importante­s.

“O investidor que entra agora na Bolsa sem ter o conhecimen­to certificad­o não pode buscar o “day trading” [operações arrojadas na Bolsa, que buscam rendimento­s com a compra e a venda de ativos no mesmo dia ou de um dia para o outro]. É importante ter em mente que, quanto maior for o horizonte de tempo, maior poderá ser o ganho”, afirma.

De acordo com Ghani, um prazo razoável para deixar o dinheiro investido vai de cinco a dez anos.

Para se proteger dos riscos, especialis­tas recomendam diversific­ar todos os tipos de investimen­to, tanto renda fixa quanto variável.

Dentre as opções com menos risco e ganho real (acima da inflação) estão títulos de dívidas privadas (debêntures), CRIs (certificad­o de recebíveis imobiliári­os) e CRAs (certificad­o de recebíveis do agronegóci­o). Já os ETFs (fundos baseados em determinad­os índices de ações, com cotas negociadas em Bolsa) e os fundos multimerca­do e de ações oferecem mais retorno, porém são mais arriscados.

Para especialis­tas, contudo, eles são preferívei­s ao investimen­to direto em ações, pois são geridos por profission­ais.

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