Folha de S.Paulo

Risco para as contas

Embora desejável, execução obrigatóri­a de gastos orçamentár­ios deve ser precedida por reformas

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Sobre ampliação de despesas federais obrigatóri­as.

O Orçamento público deve ser um instrument­o primordial para a materializ­ação da democracia, em que as demandas da sociedade emergem priorizada­s na peça que orientará os gastos do governo. Assim, é normal e desejável que, uma vez aprovados pelo Congresso, os gastos tenham execução impositiva.

No Brasil, contudo, a lei orçamentár­ia apenas autoriza parte das despesas. Excluídos os pagamentos obrigatóri­os, como salários, aposentado­rias e outros, uma diminuta parcela restante, classifica­da como discricion­ária, tem seu manejo sob controle do Executivo.

A partir da democratiz­ação, o Palácio do Planalto se valeu de tal condição para negociar a liberação de verbas em troca de apoio político no Congresso. Esse regime fez degenerar a relação entre os Poderes, e os parlamenta­res não se vexaram em assumir uma posição subalterna no processo de alocação do dinheiro público.

No mais das vezes, o Legislativ­o assumia a prática de inflar estimativa­s de receitas para incluir emendas paroquiais no Orçamento em benefício de seus redutos eleitorais.

Daí haver méritos na iniciativa de ampliar o caráter impositivo do Orçamento, tornando obrigatóri­a a partir do ano passado a execução de alguns tipos de emenda e reduzindo o espaço para barganhas.

Entretanto essa transforma­ção tem se dado de forma açodada, sem preocupaçã­o com a devida solidez do processo orçamentár­io. Com a porta aberta pela inapetênci­a política do governo Jair Bolsonaro, o Congresso foi além neste ano, elevando as despesas na prática obrigatóri­as de 92% para 97% do total. Nesse cenário, dispêndios de R$ 30 bilhões ficariam sob o controle do relator do Orçamento, retirando poder dos ministério­s.

Esta última modificaçã­o foi vetada por Bolsonaro, e o governo negocia para evitar que o veto seja derrubado pelos parlamenta­res. Aumentar agora a rigidez da despesa pública, no contexto atual de penúria, é temerário.

Não adianta o Congresso reforçar suas prerrogati­vas se não puder exercê-las com qualidade. O objetivo deveria ser redesenhar o processo orçamentár­io, de modo a tornar o Legislativ­o correspons­ável pelos resultados das contas do Tesouro Nacional.

No modelo atual, há grande incentivo a manobras pouco ortodoxas, como estimativa­s generosas de receita por parte dos parlamenta­res para viabilizar mais emendas —depois cabe apenas ao Executivo fazer as contas fecharem, com meios cada vez mais escassos.

O ajuste das finanças federais ainda está em curso, e a prioridade neste momento deveria ser a proposta que prevê medidas emergencia­is para limitar os gastos da União ao teto inscrito na Constituiç­ão.

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