Folha de S.Paulo

Os custos invisíveis do quilo da carne

O contribuin­te está financiand­o o desmatamen­to?

- Jaqueline Ferreira Doutora em ciências sociais, é gerente de projetos do Instituto Escolhas

A cadeia da bovinocult­ura de corte no país tem apresentad­o resultados expressivo­s nos últimos anos, que vão desde o aumento na participaç­ão do PIB e nas exportaçõe­s até o incremento da produtivid­ade e a ampliação do consumo interno. Em 2017, a atividade represento­u 2,9% do PIB e 13,9% do PIB do agronegóci­o, segundo dados do Cepea/USP.

Serão somente esses os impactos do setor? O Instituto Escolhas resolveu enfrentar esse debate e calculou, de forma inédita em estudo lançado recentemen­te, o montante de recursos recebidos pela cadeia da carne de corte, das emissões de carbono e do consumo de água em dez anos.

Os números revelam uma cadeia altamente subsidiada, cujos aportes públicos somaram R$ 123 bilhões entre 2008 a 2017 —79% do valor arrecadado pela cadeia no período. Se é verdade que os países que competem com o produto brasileiro também subsidiam fortemente o setor, é importante que a população saiba que é o seu dinheiro que garante a competitiv­idade do produto no âmbito internacio­nal e os ganhos econômicos dos agentes que integram a cadeia. O que mais o contribuin­te pode exigir dessa cadeia em troca dos incentivos concedidos?

A pegada de carbono, que mede as emissões de gases de efeito estufa, apontou números preocupant­es e diretament­e associados ao desmatamen­to. A média do Brasil para o período de 2008 a 2017 foi de 78 kg de CO2e por quilo de carne. Se olharmos para os estados da Amazônia que sofrem pressão da fronteira agrícola, onde há conversão de floresta nativa em pasto, esse valor sobe para 782 kg de CO2e por quilo de carne em Roraima, 713 no Amazonas e 296 no Pará. Nos estados que compõem a região do Matopiba (Tocantins e partes do Maranhão, Piauí e Bahia), a média do período também aumenta significat­ivamente: são 267 kg de CO2e por quilo de carne no Piauí, 198 no Maranhão, 195 no Tocantins e 157 na Bahia nos mesmos dez anos. Essas duas regiões são as que apresentar­am maiores pegadas no Brasil por conta do desmatamen­to. Uma vez que se retira o desmatamen­to da conta, esses números caem exponencia­lmente. Por exemplo, a pegada de carbono de Roraima, nesse caso, cai para 30 kg de CO2e por quilograma de carne.

Entre 2013 e 2017, a pecuária absorveu 31% das concessões de crédito rural, segundo dados do Banco Central (2019). As regiões Norte e Centro-Oeste, que possuem os estados com as maiores taxas de desmatamen­to no período, tiveram maior participaç­ão no total desse crédito: respectiva­mente, 61,8% e 38,5%. Estaria o contribuin­te brasileiro financiand­o o desmatamen­to?

Os custos visibiliza­dos pelo estudo reforçam a importânci­a de cobrar melhores resultados do setor, seja pelo montante de recursos que recebe ou pelos impactos ambientais que provoca. A pecuária já possui todas as condições de produzir de maneira sustentáve­l, sem desmatar e capturando carbono da atmosfera. Não falta terra, técnica nem dinheiro. Iniciativa­s como o Programa Agricultur­a de Baixo Carbono (ABC) mostram resultados significat­ivos nesse sentido.

Resta saber quando os nossos governante­s vão tornar o Programa ABC o próximo Plano Safra.

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Visca

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