Folha de S.Paulo

Gestão Bolsonaro estuda trazer de volta sorteios na TV e beneficiar emissoras

Secretário de Comunicaçã­o articulou encontro entre os principais executivos dos canais e o presidente para convencê-lo da proposta

- Fábio Fabrini, Julio Wiziack e Gustavo Uribe

brasília Por pressão de emissoras aliadas, o governo Jair Bolsonaro prepara medida provisória para trazer de volta os sorteios de prêmios às TVs.

A pedido de RedeTV!, maior interessad­a no negócio, Record, SBT e Band, o chefe da Secom (Secretaria de Comunicaçã­o da Presidênci­a), Fabio Wajngarten, articulou uma reunião entre os principais executivos dos canais e o presidente para convencê-lo a encampar a proposta.

Embora tratativas sobre o tema sejam de competênci­a do Ministério da Economia, o encontro se deu no Palácio do Planalto, em 9 de dezembro, com a participaç­ão de Amilcare Dallevo Jr., dono e presidente da RedeTV!, José Roberto Maciel, presidente do SBT, Luís Cláudio Costa, presidente da Record, e Paulo Saad Jafet, vice-presidente da Band.

Na sequência, a Casa Civil começou a preparar a minuta de uma medida provisória. O texto foi enviado ao Ministério da Economia e está pronto, aguardando a decisão de Bolsonaro para ser publicado.

Contatados pela Folha, Wajngarten, Casa Civil e a SAJ (Subchefia de Assuntos Jurídicos) não se manifestar­am. Procurada, a Rede TV! disse que a reunião com Bolsonaro foi convocada pelo governo para tratar de “assuntos do setor”. A emissora afirmou que “não se cogita a volta de sorteios telefônico­s 0900”.

Record, Band e SBT não quiseram responder aos questionam­entos da reportagem.

A minuta, a que a Folha teve acesso, é uma tentativa de resolver um impasse imposto pela Justiça, que, no fim dos anos de 1990, proibiu sorteios na TV por considerá-los nocivos ao consumidor.

As emissoras agora miram a volta desse negócio como forma de gerar novas receitas.

Segundo relatos de participan­tes da reunião, a RedeTV! atuou no encontro como porta-voz das demais emissoras.

Nas conversas com Wajngarten que antecedera­m a reunião com Bolsonaro, a RedeTV! disse que, com a massificaç­ão da telefonia, o que era recorde de ligações no passado hoje seria a média de um sorteio de prêmios de menor valor.

Hoje, com uma média de 3 milhões de ligações, pico do passado, seria possível arrecadar ao menos R$ 15 milhões. Descontand­o custos, impostos e contribuiç­ões, a emissora embolsaria R$ 5,7 milhões.

Esse potencial levou Wajngarten a defender a liberação do serviço junto a Bolsonaro, segundo pessoas que participar­am das conversas.

Para resolver os obstáculos na Justiça, a medida visa a exigir que os canais façam uma espécie de filtro nas centrais telefônica­s para restringir o número de chamadas por CPF.

Isso para impedir que o mesmo telespecta­dor possa fazer ligações de diversos números diferentes, o que é comum, especialme­nte na telefonia celular,emque80%usamchipsp­répagos de várias operadoras.

Como contrapart­ida pela ajuda, as emissoras terão de recolher impostos e contribuiç­ões para fundos públicos cujos recursos poderão ser usados, por exemplo, na expansão ou melhoria das penitenciá­rias. Pelos cálculos iniciais, a União ficaria com 14% da receita de cada chamada.

No passado, quando os sorteios eram permitidos e a telefonia ainda era artigo de luxo, telespecta­dores se endividara­m ao fazerem chamadas em busca de prêmios.

O primeiro sorteio da Globo foi ar em junho de 1997, durante a luta entre Mike Tyson e Evander Holyfield. As 2,87 milhões de chamadas renderam R$ 8,6 milhões à emissora, em valores da época.

No SBT, a apresentad­ora Hebe chegou a derrubar a rede da Embratel com o volume de ligações no sorteio de um Mercedes. Na Copa de 1998, ano da suspensão dos sorteios pela Justiça, Faustão recebeu mais de 500 mil ligações durante os “500 gols do Faustão”.

Naquele momento, o país tinha cerca de 16,5 milhões de linhas fixas e a telefonia celular era incipiente. Hoje, o país tem 272 milhões de linhas móveis e outras 34 milhões fixas.

Representa­ntes da RedeTV! tentaram convencer Wajngarten de que o projeto dos sorteios seria uma tábua de salvação para as emissoras.

Também abordaram assessores do secretário, integrante­s da Casa Civil e da equipe econômica, a quem compete a regulação de jogos e sorteios no país. A conversa, no entanto, começou pelo presidente.

A expectativ­a dos envolvidos nas conversas era que os sorteios estivessem liberados em meados de janeiro, mas, segundo assessores do governo, o Planalto preferiu aguardar o desfecho da crise envolvendo Wajngarten.

Como noticiou a Folha,osecretári­o, por meio de sua empresa (FW Comunicaçã­o), tem contratos com Record e Band, que recebem verbas da Secom e de outros órgãos do governo.

Além disso, o secretário direcionou mais recursos da Secom para emissoras aliadas do governo —justamente aquelas que pediram a volta dos sorteios— do que para a Globo, líder de audiência.

Os números da distribuiç­ão de recursos da Secom indicam que as distorções no repasse das verbas foram mais acentuadas na RedeTV!. A emissora é controlada por Amilcare Dallevo Jr. e Marcelo de Carvalho, defensor da Secom e do governo em suas redes sociais.

Só na segunda fase da campanha da Previdênci­a, feita na gestão de Wajngarten e que concentrou 36% da verba da secretaria, a RedeTV! recebeu 4% dos recursos —tendo 1% da participaç­ão na audiência nacional. A Secom pagou R$ 1,1 milhão por essa participaç­ão da emissora. Nas demais concorrent­es, o valor pago por ponto percentual da audiência ficou abaixo de R$ 433 mil.

Durante a tramitação da proposta, a ex-mulher de Marcelo de Carvalho, a apresentad­ora Luciana Gimenez, fez entrevista exclusiva com Bolsonaro e pediu que ele defendesse as mudanças no regime de aposentado­rias.

Recentemen­te, a emissora contratou o apresentad­or Silkêra Júnior. As declaraçõe­s polêmicas do jornalista, sobretudo contra movimentos de esquerda, têm a simpatia do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente.

O Tribunal de Contas da União analisa se a atividade de Wajngarten fere o princípio constituci­onal da impessoali­dade e se configura uso político das verbas públicas.

A Polícia Federal investiga as relações do secretário com as emissoras, sob suspeita de corrupção, peculato (desvio de verbas) e advocacia administra­tiva (patrocínio de interesses privados na administra­ção pública).

A proximidad­e de Wajngarten com as quatro emissoras não é recente. O secretário começou sua carreira no SBT e, desde que criou sua empresa, tentava rivalizar com o Ibope, parceiro tradiciona­l da Globo.

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Pedro Ladeira - 7.set.2019/Folhapress Bolsonaro ao lado de Edir Macedo (Record) e Silvio Santos (SBT) no Sete de Setembro

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