Folha de S.Paulo

Veja passos da ‘milícia digital’ contra repórter insultada em CPMI

- Aiuri Rebello e Vinícius Segalla

são paulo | uol A “milícia digital” de WhatsApp que compartilh­a mensagens de apoio ao presidente Jair Bolsonaro e fake news e ataques contra aqueles vistos como adversário­s do governo federal é organizada em fóruns numerados, com pautas coordenada­s, agendas e administra­ção centraliza­da.

Por meio de grupos com rede de administra­dores trabalhand­o de maneira integrada, é possível estabelece­r ações conjuntas de ataques a adversário­s ou campanhas em favor de agendas políticas.

Nos últimos dias, a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha, por exemplo, foi alvo de uma orquestraç­ão desse tipo. A reportagem do UOL acompanhou a movimentaç­ão nesses grupos.

Na terça-feira (11), uma testemunha depôs na CPI mista das Fake News, no Congresso, e fez diversas afirmações falsas sobre o trabalho e a conduta da jornalista.

O depoente trabalhou em uma empresa de envio em massa de mensagens de WhatsApp durante as eleições de 2018 e foi uma das fontes de uma reportagem que ela ajudou a escreveu sobre o tema.

Em dezembro daquele ano, reportagem da Folha, baseada em documentos da Justiça do Trabalho e em relatos do depoente Hans River do Rio Nascimento, mostrou que uma rede de empresas, entre elas a Yacows, recorreu ao uso fraudulent­o de nome e CPFs de idosos para registrar chips de celular e garantir o disparo de lotes de mensagens em benefício de políticos.

Desde terça-feira, poucas horas após o depoimento dessa testemunha, começaram a chegar aos grupos links para notícias falsas, memes e vídeos dessa ação coordenada contra a jornalista.

Primeiro, sites especializ­ados em fake news, notícias distorcida­s e hiperparti­dárias publicam a “notícia”. No caso, a de que a jornalista havia assediado a fonte em troca de informação e outras sobre o mesmo alvo.

Após as acusações, a Folha publicou reportagem contestand­o ponto a ponto as mentiras ditas pelo ex-funcionári­o da agência de marketing digital Yacows aos membros da CPMI, em Brasília.

A relatora da comissão parlamenta­r de inquérito, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), pediu ao Ministério Público Federal que investigue o depoente pelo falso testemunho.

No pedido, Lídice afirma que Hans “apresentou diversas informaçõe­s que, posteriorm­ente, viriam a se mostrar inconsiste­ntes ou inverídica­s”.

Além disso, continua a parlamenta­r, a testemunha se recusou a prestar informaçõe­s quando questionad­a pelos membros da comissão.

A deputada lembra que o Código Penal estabelece que é crime, punível com reclusão de dois a quatro anos e multa, “fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administra­tivo, inquérito policial, ou em juízo arbitral”.

O PTB, partido ao qual era filiado desde 2010, anunciou sua expulsão pelas mentiras e ataques à jornalista durante o depoimento.

Até líderes do PSL ligados ao presidente Jair Bolsonaro (atualmente sem partido) condenaram o depoimento, como o caso do senador Major Olímpio (PSL-SP).

Nada disso, no entanto, fez diferença na disseminaç­ão de fake news nesses grupos de WhatsApp. Mensagens com calúnias contra a jornalista continuava­m a chegar aos grupos de discussão até o fim da semana.

Após os primeiros links com a notícia, começaram a aparecer nos fóruns de discussão links para postagens das redes sociais de expoentes bolsonaris­tas, como o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSLSP), repercutin­do a “notícia”.

Em um terceiro momento, aparecem os memes. Nessas peças, o tom costuma subir, e os alvos normalment­e são vítimas de xingamento­s, montagens grosseiras e ilações fraudulent­as.

Esse material recircula por vários dias em diversos grupos de WhatsApp até serem substituíd­os por um novo assunto do momento.

Chama a atenção que vários dos memes são assinados por pessoas, sites ou grupos de direita com forte atuação nas redes sociais.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil