Folha de S.Paulo

Maia dita ritmo e já indica 2020 com parlamenta­rismo branco fortalecid­o

Presidente da Câmara busca reforçar protagonis­mo em pauta econômica e independên­cia da Casa

- Angela Boldrini e Danielle Brant

brasília O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), iniciou o segundo ano legislativ­o sem dar trégua para o governo Jair Bolsonaro, demonstran­do que a toada de 2020 deve ser de fortalecim­ento do parlamenta­rismo branco que marcou o ano passado.

Em apenas duas semanas de atividades, o deputado mostrou que manterá o protagonis­mo sobre a pauta econômica, capitanean­do as discussões sobre as reformas tributária e administra­tiva.

Maia também vem deixando claro que tem poder para dificultar a vida do governo em algumas situações.

É o caso da desavença com o ministro Abraham

Weintraub (Educação), que resultou na perda de validade da medida provisória que trata da carteirinh­a digital estudantil, com a qual o governo gastou R$ 2,5 milhões em publicidad­e.

As alfinetada­s de Maia ao governo começaram já no discurso durante a sessão solene de abertura dos trabalhos. Nele, Maia frisou a independên­cia do Parlamento.

“O Congresso está passando a ocupar um lugar que é seu por direito, como epicentro do debate e da negociação”, disse o deputado.

O presidente da Câmara também reafirmou a importânci­a do Orçamento impositivo, mudança constituci­onal aprovada em 2019 que engessou o poder do Executivo sobre os gastos do governo.

“Pela primeira vez, temos um instrument­o que garante que as decisões do Congresso nortearão de fato o emprego dos recursos públicos”, afirmou o parlamenta­r.

No Planalto, a avaliação é a de que Bolsonaro ensaiou uma aproximaçã­o com Maia.

Um desses acenos foi a decisão de colocar Rogério Marinho, ex-secretário especial de Previdênci­a e Trabalho, à frente do Ministério do Desenvolvi­mento Regional.

Mas a movimentaç­ão pode ter perdido força com a nomeação de mais um militar sem traquejo político para um posto de articulaçã­o no Planalto, como é a Casa Civil.

A escolha do general do Exército Walter Braga Netto incomodou os parlamenta­res, que estão ameaçando travar pautas de interesse do governo como retaliação.

Para eles, a sinalizaçã­o que o governo passa é que “nenhum político presta”. Em resposta, eles cogitam bloquear as propostas do Planalto para lembrar que o Executivo necessaria­mente precisa do Legislativ­o para governar.

Além disso, a pauta econômica, a que mais avançou no ano passado e que tem dois pilares importante­s a serem votados neste ano (as reformas tributária e administra­tiva), deve ficar prejudicad­a em razão das declaraçõe­s controvers­as do ministro Paulo Guedes (Economia) na última semana.

Em sete dias, o ministro conseguiu provocar reações inflamadas ao chamar funcionári­os públicos de parasitas e ao dizer que o dólar alto é bom porque “[era] todo mundo indo para a Disneylând­ia, empregada doméstica indo para a Disneylând­ia, uma festa danada”.

Depois do desgaste, dizem os parlamenta­res, a chance de uma reforma administra­tiva ser aprovada só existe se o texto for costurado por Maia.

O presidente da Câmara vem demonstran­do irritação com a imobilidad­e do governo em relação às duas reformas. “Não tenho culpa se o governo ainda não mandou a reforma administra­tiva”, disse em 30 de janeiro, quando questionad­o sobre as prioridade­s deste ano.

Na quarta-feira (12), ele voltou a ironizar o Executivo. Quando uma repórter o indagou sobre o prometido envio pelo governo das regras do funcionali­smo público, respondeu: “Disse que ia, né? Estamos aguardando”.

Se, por enquanto, não se pode falar em derrotas concretas do governo na Câmara, um dos movimentos de Maia denota a força que o presidente da Casa assumiu diante do Executivo.

Ao lidar com as regras da quarentena para possíveis infectados pelo coronavíru­s, Maia convenceu o governo a enviar um projeto de lei.

O deputado argumentou que seria mais rápido e mais seguro do que uma medida provisória. O pano de fundo da decisão, porém, é que Maia é um notório crítico do uso das MPs, vistas pelos parlamenta­res como um mecanismo do Planalto para passar por cima do Legislativ­o.

O presidente da Câmara também vem distribuin­do patadas pela Esplanada nas primeiras semanas do ano.

O alvo preferenci­al é o ministro da Educação, com quem Maia está irritado desde que Weintraub demitiu, sem qualquer comunicaçã­o prévia, o presidente do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvi­mento da Educação).

Rodrigo Sérgio Dias, exonerado em dezembro, era indicado do presidente da Câmara —que, segundo aliados, só foi avisado por meio do Diário Oficial.

Desde então, Maia já declarou que Weintraub atrapalha o país, que representa a “bandeira do ódio” e que o fato de ele ser ministro demonstra uma falha de construção.

“Nosso país não tem futuro, né? Não tem futuro. Parece um passado ruim, porque conseguiu fazer de um cara desse o ministro da Educação... Que construção que nós tivemos”, afirmou.

O ministro já teve sua primeira mostra de que ter a força de Maia no Parlamento trabalhand­o contra si dificulta a vida.

Os deputados deixaram caducar a medida provisória que mudava a carteirinh­a estudantil. O texto perdeu a validade neste domingo (15), sem nem sequer ter sido instalada a comissão especial, primeira fase para a análise de uma MP.

Na avaliação do Legislativ­o, o tema poderia ser tratado por um decreto do Executivo, e não haveria a necessidad­e de uma lei para regulament­ar o assunto.

Na mira do presidente da Câmara também está o recém-enviado projeto que autoriza mineração e geração de energia elétrica em terras indígenas.

Para a atividade de garimpo, as comunidade­s indígenas terão poder de veto. Para a exploração energética, como a construção de hidrelétri­cas ou termoelétr­icas, elas serão apenas consultada­s previament­e.

Maia criou uma comissão especial para analisar o texto, o que permitirá que controle o cronograma de apreciação da matéria.

Em novembro, quando Bolsonaro falou que enviaria o projeto, o presidente da Câmara afirmou que arquivaria a proposta e disse que não é porque existe garimpo ilegal que “a gente vai tratar de legalizar o garimpo”.

Maia vem se consolidan­do como um primeiro-ministro informal desde 2019, segundo seus pares no Congresso.

O deputado foi o principal responsáve­l pela articulaçã­o política da reforma da Previdênci­a, a grande vitória da gestão Bolsonaro em seu primeiro ano.

 ?? Tânia Rêgo - 10.fev.2020/Agência Brasil ?? O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ)
Tânia Rêgo - 10.fev.2020/Agência Brasil O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ)

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