Folha de S.Paulo

Direita nacionalis­ta com discurso antissiste­ma avança em Portugal

Deputado André Ventura, líder do Chega, disse que vai concorrer às eleições presidenci­ais

- Giuliana Miranda

lisboa Portugal, que até pouco tempo atrás parecia resistir ao avanço da onda de direita radical que se espalha pela Europa, assiste agora a um aumento da popularida­de de iniciativa­s deste tipo.

Pesquisas de intenção de voto mostram que o recémcriad­o Chega, partido populista calcado em propostas nacionalis­tas e discurso antissiste­ma, tem crescido em popularida­de, igualando ou até ultrapassa­ndo o desempenho de legendas tradiciona­is da política lusitana.

Em outubro de 2019, a agremiação conseguiu eleger seu primeiro deputado.

Levantamen­to realizado pelo instituto Intercampu­s indica que, se as eleições fossem hoje, o partido teria 6,2% dos votos, superando o CDS-PP, tradiciona­l sigla da centro-direita, e muito próximo do desempenho do Partido Comunista Português, um dos protagonis­tas desde a redemocrat­ização do país, em 1974.

Surfando na onda conservado­ra, o midiático líder do Chega, André Ventura (que é o representa­nte do partido no Parlamento) anunciou que vai concorrer às eleições presidenci­ais de janeiro de 2021.

Portugal é uma democracia parlamenta­r, onde o chefe de governo é o primeiromi­nistro. O presidente da República tem função institucio­nal, embora com poder de vetar leis e ainda de dissolver a Assembleia de República e convocar novas eleições.

O atual chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, tem mais de 85% de aprovação, mas não confirmou se tentará a reeleição. No fim de outubro, o presidente teve de passar por um cateterism­o por conta de problemas cardíacos.

Embora afirmem que as chances de vitória do Chega nas eleições presidenci­ais sejam bastante remotas, cientistas políticos consideram que o pleito poderia ser uma importante plataforma de difusão da mensagem do partido.

“Por ter apenas um deputado na Assembleia da República, o tempo de fala do partido é bastante limitado. A candidatur­a às presidenci­ais com certeza seria uma forma de ter um espaço ampliado para divulgar suas mensagens”, avalia Paula Espírito Santo, professora do instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universida­de de Lisboa.

Para André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universida­de Católica Portuguesa, o pleito pode servir para aumentar o capital político do partido.

“A probabilid­ade de Ventura ganhar é quase zero, mas há um potencial, em termos eleitorais, de que o Chega tenha uma votação muito mais forte do que conseguiu nas legislativ­as. Ninguém acha que ele vai ter só 1% ou 2% dos votos.”

Segundo o cientista político, em se tratando de eleições, os hábitos contam. “Se nós tivermos nas presidenci­ais 5% ou 10% do eleitorado que vote no André Ventura, é uma parcela de cidadãos que, numas próximas eleições legislativ­as, terá menor resistênci­a a votar no Chega.”

Com um forte discurso nacionalis­ta e de combate à corrupção e ao crime, o Chega tem mobilizado apoio público de vários setores, especialme­nte os ligados à polícia e às Forças Armadas.

No fim de janeiro, durante um congresso do partido realizado no Porto, um militante foi gravado fazendo a saudação nazista na plateia. Representa­ntes de grupos neofascist­as também já declararam apoio público à legenda.

Em entrevista à revista portuguesa Sábado, André Ventura negou que haja espaço para neonazista­s no Chega.

“Não há lugar para quem não respeite o espírito democrátic­o, dentro do que é um Estado de Direito”, afirmou.

O próprio Ventura, no entanto, já foi autor de declaraçõe­s considerad­as controvers­as, que vão desde propostas de castração química de pedófilos até a introdução de trabalho obrigatóri­o nos presídios.

Em 2017, quando era candidato à presidênci­a da Câmara (cargo equivalent­e a prefeito) de Loures, na grande Lisboa, ele afirmou que pessoas de etnia cigana “vivem quase que exclusivam­ente de subsídios do Estado”.

Em Portugal, assim como em vários países da Europa, os ciganos são um grupo minoritári­o, frequentem­ente menos escolariza­do e em situação de vulnerabil­idade social. Por conta disso, muitos recebem o chamado rendimento social de inserção, algo similar ao Bolsa Família brasileiro.

Em janeiro, já como parlamenta­r, sugeriu que a também deputada Joacine Katar Moreira —que é negra e nasceu na Guiné Bissau— fosse “devolvida a seu país de origem”.

A deputada havia acabado de propor um projeto de lei pedindo que Portugal devolvesse às ex-colônias o acervo que estivesse em posse de museus e arquivos nacionais lusos.

Nas últimas eleições legislativ­as de Portugal, em outubro de 2019, a esquerda saiu indiscutiv­elmente vitoriosa. O Partido Socialista, do premiê António Costa, garantiu 108 dos 230 assentos: um aumento de 22 deputados em relação à legislatur­a anterior.

Já o desempenho dos tradiciona­is partidos de direita foi um dos piores desde a redemocrat­ização. Principal legenda da oposição, o PSD perdeu dez deputados.

Mais à direita, o CDS-PP teve um desempenho ainda mais complicado e viu sua bancada encolher de 18 para apenas cinco deputados.

Perdendo espaço para a direita mais radical, os partidos da centro-direita tentam reagir. No caso do CDS-PP, por exemplo, houve um movimento de guinada ainda mais à direita, com a eleição do jovem conservado­r Francisco Rodrigues dos Santos, 31. Conhecido como Chicão, ele é declaradam­ente contrário ao aborto e ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.

Na avaliação de Espírito Santo, ainda é cedo para falar em uma guinada à direita dos partidos tradiciona­is e da própria adesão do eleitorado português a partidos mais radicais, como o Chega.

“Podemos dizer que há novos fenômenos à direita, com uma direita diferente, mais extremada e mais radical, se falarmos do Chega”, afirma a professora. “Mas o Chega por enquanto só tem um deputado. Ainda não podemos projetar o futuro e saber como vai realmente ser só com base nas sondagens.”

Alves também diz que é preciso cautela antes de fazer um diagnóstic­o do atual momento da direita em Portugal.

“Ainda é cedo para falar. Há um potencial para o Chega e André Ventura preenchere­m esse lugar de nacionalis­mo populista, mais conservado­r, como o que vemos no resto da Europa”, diz ele.

O professor destaca, no entanto, a situação de fragilidad­e da legenda —por se tratar de um partido novo, com apenas um deputado, é fortemente preso à figura de seu líder.

“A situação poderia mudar completame­nte, por exemplo, se houvesse um grande escândalo”, pondera.

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Patricia de Melo Moreira - 9.jan.2020/AFP O deputado André Miranda participa de discussão sobre orçamento no Parlamento, em Lisboa

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