Folha de S.Paulo

Bloomberg quer comprar seu voto

Vem aí mais um teste para as democracia­s

- Mathias Alencastro Pesquisado­r do Centro Brasileiro de Análise e Planejamen­to e doutor em ciência política pela Universida­de de Oxford (Inglaterra)

Surpreende­ntemente, o candidato que mais subiu nas sondagens desde o começo do ciclo eleitoral americano foi aquele que escolheu esperar para entrar mais tarde no jogo. Michael Bloomberg ignorou o circo das primárias e armou uma campanha paralela que o posicionou entre os favoritos.

A sua revolucion­ária operação eleitoral funciona como uma holding na qual cada subsidiári­a exerce a sua função com total liberdade criativa. Em poucos meses, a equipe de comunicaçã­o reinventou uma figura carimbada da política americana de 78 anos.

Michael, um plutocrata com carisma de labrador, dono de um dos maiores grupos de tecnologia, finanças e mídia do mundo, passou a ser conhecido como “Mike”, um empreended­or gente fina, pau para toda obra, voluntario­so.

Uma metamorfos­e impression­ante para um ex-republican­o que carrega dois estigmas fatais para um democrata em tempos normais: representa­nte do clube dos 0,1% mais ricos, ele personific­a a desigualda­de extrema da sociedade americana, denunciada como a origem de todos os males pelos progressis­tas. Talvez ainda mais problemáti­co, os afroameric­anos, eleitores-chave do partido democrata, desconfiam de Bloomberg pelo seu passado repressivo em Nova York, onde sua gestão como prefeito incriminou sobretudo negros e latinos.

Mas nada disso parece importar na nova era da política. Por trás da candidatur­a de Bloomberg, está a premissa de que a derrota dos populistas passa pela abolição dos limites convencion­ais da democracia moderna. Libertado do problema do financiame­nto (ele mobilizou US$1 bilhão da sua fortuna pessoal para a campanha), Bloomberg pretende tornar obsoleto o modelo tradiciona­l da eleição americana, baseado no tripé imprensa-sondagens-doações, e caracteriz­ado pela disputa constante pela narrativa ao longo de meses de campanha.

Por enquanto, Bloomberg repete a quem quiser ouvir que uma eventual derrota nas primárias não interrompe­ria o seu engajament­o político e financeiro. No entanto, as vítimas mais prováveis da sua blietzkrie­g eleitoral serão os moderados convencion­ais, incapazes de competir com a sua máquina. E ele não parece interessad­o em virar cabo eleitoral de Bernie Sanders, seu principal antagonist­a ideológico.

Na realidade, Bloomberg está atuando como um homem de negócios interessad­o na aquisição hostil de um ativo desvaloriz­ado. Ele tem como objetivo final colocar os moderados democratas perante um dilema faustiano: entregar a batalha presidenci­al para o seu conglomera­do ou encarar um duelo entre Donald Trump e Bernie Sanders.

Esse dilema provocaria um debate fascinante. Vale a pena privatizar o partido democrata para tirar Donald Trump do poder? A ascensão de Bloomberg é sinal de melhora ou agravament­o da crise do sistema político? Até onde os progressis­tas estão dispostos a ir para derrotar os populistas? O jogo ainda nem começou e já não restam dúvidas: a candidatur­a de Michael Bloomberg representa um novo tipo de teste para as democracia­s.

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