Folha de S.Paulo

Indústria resiste a propostas de Bolsonaro para os combustíve­is

Presidente passou a falar de preços após ser alertado por equipe de redes sociais sobre queixas em relação à gasolina

- Talita Fernandes e Nicola Pamplona

brasília e rio de janeiro Alertado por assessores para o fato de que o preço do gás e dos combustíve­is afeta sua popularida­de, o presidente Jair Bolsonaro passou a incluir o tema em suas falas públicas, entrevista­s e postagens nas redes sociais. A avalanche de propostas, porém, causou desconfort­o no setor, que resiste a algumas delas.

O presidente colocou o tema em seu radar após receber monitorame­nto informal de sua equipe nas redes sociais, que detectou aumento no número de publicaçõe­s questionan­do as altas de preços, em especial da gasolina, que tem se mantido acima dos R$ 4 por litro na maior parte do país.

O tema passou a ser abordado por políticos da oposição e apoiadores, que circulam memes comparando os preços nos governos Dilma e Bolsonaro. Na última semana, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) publicou em uma rede social uma espécie de pesquisa “informal”: “Quanto está a gasolina na sua cidade?”.

Diante de reações como essa, o presidente foi aconselhad­o a intensific­ar o discurso de que não tem autonomia para influencia­r preços. Tem falado sobre isso com apoiadores que o esperam diariament­e na porta do Palácio da Alvorada e, na sequência, reforça a mensagem aos jornalista­s.

Há duas semanas, disse em entrevista que estava “fazendo papel de otário” ao baixar o preço da gasolina nas refinarias, já que o repasse não chegava aos consumidor­es, mesmo após quatro cortes de preços promovidos pela Petrobras.

Desde o início do governo, o preço da gasolina nas bombas subiu 5,77%; o diesel teve alta de 9,79%; o etanol avançou 14,84%, e o botijão de gás ficou estável. Consideran­do a inflação, as variações são de 1,10%, 4,89%, 9,80% e queda de 3,59%, respectiva­mente.

Os aumentos foram influencia­dos principalm­ente por crises internacio­nais, com a guerra comercial China-EUA, no início de 2019, o ataque a refinaria na Arábia Saudita, em setembro, e o assassinat­o do general iraniano Qassim Suleimani, no início do ano.

Depois, a cotação do petróleo despencou com temores sobre impactos econômicos do surto de coronavíru­s.

“Se não chega ao consumidor [a queda dos preços], a gente está dando varada na água. Eu estou mostrando que a responsabi­lidade do preço do combustíve­l é minha e dos governador­es também”, reclamou o presidente.

“Eu zero o federal se eles zerarem o ICMS. Está feito o desafio aqui agora. Eu zero o federal hoje, eles zeram o ICMS. Se topar, eu aceito. Tá ok?”, disse ele, detonando uma campanha de cobranças aos governador­es em redes sociais.

Em reunião na semana passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou acalmar os ânimos ao propor que o debate seja levado ao Congresso na discussão da reforma tributária e do pacto federativo.

Mas a estratégia tem gerado desconfort­o também entre as empresas do setor, que vêm discutindo medidas com a área técnica do governo desde o início do mandato. A percepção é que as declaraçõe­s de Bolsonaro atrapalham o debate e colocam também distribuid­oras e postos de combustíve­is na lista dos vilões.

O presidente tem declarado apoio a medidas regulatóri­as que não são unanimidad­e, como a venda direta de etanol das usinas para os postos —projeto patrocinad­o por produtores do Nordeste, mas com oposição no centro-sul.

Em janeiro, levados pelo presidente da Embratur, Gilson Monteiro, representa­ntes dos produtores nordestino­s estiveram com Bolsonaro e saíram com a percepção de que a decisão por liberar a venda direta já foi tomada. Na quinta (13), o empresário Rubens Ometto, um dos maiores do setor e opositor da ideia, também esteve com Bolsonaro.

A proposta esbarra em questões tributária­s, já que a venda direta eliminaria a parcela dos impostos cobrados na distribuiç­ão. Os efeitos, po- rém, são visto como limitados, já que beneficiar­ia apenas postos próximos a usinas.

Na semana passada, o presidente disse que o mercado de gás de botijão também entrará no foco. Afirmou ter determinad­o estudos para permitir o aumento no número de engarrafad­ores de botijões no país, para evitar as viagens dos vasilhames até as engarrafad­oras.

Bolsonaro não deixou claro se apoia a proposta de permitir o enchimento parcial ou o uso de botijões de outras marcas, medidas que têm oposição de grandes empresas.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil