Folha de S.Paulo

País agora tem plano de cibersegur­ança

Plano tem ponto negativo tragicômic­o, ao recomendar certificad­o digital monopoliza­do

- Ronaldo Lemos Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro

Na semana passada, o governo federal editou medida que estava atrasada havia 15 anos: criou um decreto que define a estratégia nacional de segurança cibernétic­a.

Esse tema andava à deriva havia décadas. O país ocupa o 70º lugar no Índice Global de Cibersegur­ança da ONU, perdendo para países como México, Quênia e Paraguai.

São muitos os casos vexatórios: vazamento de dados de autoridade­s, lista de todas as senhas de sites do governo publicadas na internet, espionagem industrial de empresas estatais etc.

Como sempre, a ocasião faz o ladrão. Praticamen­te todo o primeiro escalão do governo usa celulares e aplicativo­s convencion­ais. Com isso, estão sujeitos ao monitorame­nto constante dos seus dados, além de vulnerávei­s ataques comuns.

O certo seria que ocupantes de cargos públicos que lidam com informaçõe­s sensíveis passassem a usar aparelhos especiais criptograf­ados e imunes à captação de dados por terceiros.

O plano da semana passada não vai resolver isso. No entanto, ao menos traça princípios que podem orientar o país. Nele há pontos positivos e pontos negativos.

Um destaque positivo é o fato de o plano tratar a segurança cibernétic­a como questão pertinente a todos os setores da sociedade. Faz sentido. Para lidar com esse desafio, é fundamenta­l juntar o setor público, o setor privado, a comunidade científica, o terceiro setor e assim por diante.

A razão é simples. Segurança

digital é tema tão complexo que precisa da mobilizaçã­o de toda a sociedade para ter eficácia. Há muito pouco que o governo sozinho (ou só os militares) pode fazer sem a cooperação de outros setores. O plano vai nesse sentido e acerta.

O documento valoriza também o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados, dois pilares legais da internet no país. Valoriza também o CERT.br, entidade que monitora e responde a incidentes de segurança no país, gerido pelo Comitê Gestor da Internet.

Já com relação aos pontos negativos, há falhas graves. A primeira é um ponto cego imperdoáve­l. Uma das maiores ameaças globais à segurança na rede é a compra de programas-espiões por governos, capazes de devassar a vida digital de qualquer pessoa, incluindo autoridade­s. Um desses programas escancarou há pouco a vida do bilionário fundador da Amazon, Jeff Bezos.

O Brasil deveria deixar bem claro se adquire programas-espiões como esse e quem os adquire ( há rumores de que sim). E qual a estratégia que o país possui para defender seus cidadãos contra esse tipo de ataque. O plano brasileiro não traz uma palavra sobre isso.

Há outro ponto negativo tragicômic­o. O texto inclui nas medidas recomendad­as para aumentar segurança digital no Brasil “ampliar o uso do certificad­o digital”. Não qualquer certificad­o, mas sim o vergonhoso certificad­o digital que é monopoliza­do pelo próprio governo federal (por meio do órgão chamado ITI) que custa até R$ 250 por ano para ser emitido.

Aqui a recomendaç­ão não tem nada a ver com cibersegur­ança, mas sim tudo a ver com o lobby de quem vende esse sistema vergonhoso, que jamais terá escala para ser solução para a segurança digital no país. Alguém me conte, por favor, como esse jabuti foi parar no texto de um documento tão importante, minando sua credibilid­ade.

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