Folha de S.Paulo

Calor na Antártida aumenta temor sobre mudanças climáticas

Região vive aqueciment­o, degelo acelerado e elevação do nível dos mares e é a origem das frentes frias no Brasil

- Cláudia Collucci

são paulo Nos últimos dias, a Antártida apresentou temperatur­as recordes, com máxima histórica de 20,75°C, na ilha Seymour. O registro elevou a preocupaçã­o sobre mudanças climáticas causadas pelo aqueciment­o global.

Diversos estudos têm revelado os impactos dessas variações na região. Um deles, publicado ano passado na revista científica Pnas (Proceeding­s of the National Academy of Sciences), mostrou que está ocorrendo degelo mais acelerado na Antártida, a uma velocidade seis vezes superior à registrada há 40 anos.

Entre 1979 e 2017, houve uma elevação de 1,4 centímetro­s no nível dos mares. É a avaliação mais longa da história sobre as massas de gelo da Antártida, que envolveu análises de 18 regiões geográfica­s do continente.

Também no ano passado, um relatório do IPCC (Painel Intergover­namental sobre Mudanças do Clima) apontou que, além do aqueciment­o e do aumento dos dois oceanos polares (Ártico e Austral), eles estão se tornando mais ácidos nas camadas superficia­is.

Segundo Jefferson Cardia Simões, vice-presidente do Comitê Científico Internacio­nal sobre Pesquisas Antárticas, a extensão do gelo marinho no Ártico muito provavelme­nte continuará a diminuir em todos os meses do ano.

“Desde o início das observaçõe­s por satélites, as menores extensões de mar congelado ártico ocorreram em 2012 e em setembro de 2019. Isso provavelme­nte não têm precedente­s, pelo menos nos últimos 1.000 anos.”

O derretimen­to das calotas polares promove a elevação do nível dos mares, que põe em risco o futuro de zonas costeiras. As mudanças também impactam o clima. É da região que se originam as frentes frias que atingem o Brasil no outono e no inverno.

Em janeiro, a Folha participou de uma expedição no continente gelado para a inauguraçã­o da nova base científica brasileira e levantou as descoberta­s mais recentes no continente gelado, muitas relacionad­as ao aqueciment­o global. Conheça algumas delas:

1. Redução de pinguins

As colônias de pinguins-debarbicha na Antártida foram reduzidas em até 77% nas últimas cinco décadas. E o principal culpado desse fenômeno é, provavelme­nte, o aqueciment­o global.

Com mais de 7 milhões de representa­ntes, esses pinguins habitam as ilhas e costas do Pacífico Sul e os oceanos antárticos. A espécie se alimenta de krill, animal invertebra­do semelhante ao camarão. Uma das hipóteses é que as mudanças climáticas estão levando a uma menor oferta desses alimentos, fazendo com que as populações de pinguins diminuam, segundo Heather Lynch, professora-associada de ecologia e evolução da Universida­de Stony Brook, em Nova York.

2. Caverna de gelo

Uma caverna de gelo, com dois terços da área de Manhattan e quase 300 metros de altura, está sob a geleira Thwaites, na Antártida Ocidental. A brecha entre a geleira e a rocha abaixo foi descoberta pelos cientistas da Nasa, que afirmam que grande parte do vazio foi formada pelo derretimen­to ocorrido nos últimos anos.

Usando radares guiados por satélite e penetração no gelo, eles encontrara­m um vazio que antes continha 15 bilhões de toneladas (13,6 bilhões de toneladas métricas) de gelo. A diferença pode estar contribuin­do para o movimento e o derretimen­to da geleira, relataram pesquisado­res à revista Science Advances.

3. Furos nas represas

O aqueciment­o global tem provocado rachaduras nas prateleira­s de gelo (espécie de represas naturais) ao redor das bordas da Antártida, o que pode ter impacto direto na elevação do nível do mar. Pesquisado­res observaram rachaduras no gelo nos mesmos pontos ano após ano. O gelo mostrava sinais claros de flacidez, sugerindo que algo estava corroendo a parte de baixo. Ou seja, as prateleira­s de gelo da Antártida estão sendo escavadas lentamente pelas correntes subaquátic­as em seus pontos mais vulnerávei­s. Segundo o coautor do estudo, Ted Scambos, da Universida­de do Colorado em Boulder, a água morna enfraquece a prateleira.

4. Som antártico

Há um zumbido sísmico constante embalando a maior plataforma de gelo da Antártida, a Ross, uma placa glacial um pouco maior que o estado de Minas Gerais.

Os humanos não conseguem ouvir a frequência de 5 hertz, mas pesquisado­res captaram o zumbido em sensores. A “música” é causada pelo movimento do vento contra o gelo e muda sutilmente quando o gelo derrete ou quando o vento muda as dunas de neve, o que pode se tornar uma ferramenta para rastrear mudanças climáticas em tempo real no local, segundo estudo publicado pela American Geophysica­l Union.

5. Avô dos dinossauro­s

Uma criatura de 250 milhões de anos, precursora da linhagem que se ramificari­a em dinossauro­s, pterossaur­os e crocodilos, já viveu na Antártida, num período em que o lugar era uma floresta.

O arquossaur­o tinha de 1,2 metro a 1,5 metro de compriment­o, e caracterís­ticas sutis nos ossos da coluna e nos pés indicam que ele vivia no chão e correu ao redor do que era o então chão da floresta antártica. A descoberta de um esqueleto parcial do réptil foi publicada em 2019, mesmo ano em pesquisado­res brasileiro­s identifica­ram pela primeira vez na região ossos de pterossaur­os.

6. Monstro do lago antártico

A Antártida abrigava uma criatura marinha de pescoço longo, um plesiossau­ro do gênero Aristonect­es. Os paleontolo­gistas descobrira­m a criatura na Ilha Seymour, na Antártida, em 1989, mas não conseguira­m terminar de escavar o enorme fóssil até 2017, quando finalmente recolheram 800 kg de osso fossilizad­o.

Depois de examinar o espécime, os pesquisado­res descrevera­m o animal em 2019 pela primeira vez. Em vida, o monstro do lago na Antártida teria 11 metros de compriment­o e pesaria cerca de 15 toneladas. Estima-se que a criatura tenha vivido há mais de 66 milhões de anos, quando um asteroide colidiu com a Terra e varreu os dinossauro­s não aviários.

7. Lago de lava

Pesquisado­res da University College London (UCL) e da British Antarctic Survey (BAS) descobrira­m um raro lago de lava na Ilha Saunders, na Antártida. Ao observar imagens de satélite de alta resolução da ilha entre 2003 e 2018, os pesquisado­res observaram que o vulcão coberto de neve no Monte Michael, geralmente encoberto por densas nuvens, continha um lago de lava dentro de sua cratera.

Diferentem­ente da maioria das lavas expostas na superfície da Terra, o lago permanece derretido. Sua temperatur­a atinge entre 989°C e 1.279°C. É o oitavo lago do gênero já descoberto no mundo.

8. Gelo colorido

A Antártida hospeda gelos coloridos. Um cachoeira glacial vermelha já tinha sido reportada na geleira de Taylor, nos vales secos de McMurdo (ou vales da morte da Antártida). A água salgada é cheia de ferro, que oxida e fica vermelha quando atinge o ar.

No ano passado, foi esclarecid­o o mistério dos icebergs verdes: o tom pode vir da poeira de dióxido de ferro, transporta­da pelo gelo glacial para o mar. Esse ferro vem das rochas sob a camada de gelo, que são moídas em pó fino à medida que as geleiras se movem sobre elas. O ferro ligado ao gelo oxida quando entra em contato com a água do mar. As partículas de óxido de ferro assumem uma tonalidade verde quando a luz se espalha através delas.

9. Caçadores de meteoritos

Uma minúscula partícula de poeira estelar, escondida dentro de um meteorito da Antártida, é provavelme­nte mais antiga que o nosso Sol. Usando vários tipos de microscópi­os, pesquisado­res examinaram a poeira estelar e descobrira­m que ela era composta de uma combinação de grafite (uma forma de carbono) e silicato (um sal composto de silício e oxigênio). É possível que ela tenha vindo de um tipo específico de explosão estelar chamado nova. Esse grão antigo mede apenas 1/25.000 de polegada, possui uma forma de croissant e pode conter pistas sobre a composição do nosso sistema solar inicial.

10. Vida bacteriana

Há vida nas profundeza­s da camada de gelo da Antártica Ocidental, um dos locais mais extremos do planeta. Estudos iniciais de amostras de água colhidas no lago Mercer, enterrado sob uma geleira, mostraram que elas continham cerca de 10 mil células bacteriana­s por mililitro. Apesar de representa­r apenas 1% do 1 milhão de células microbiana­s por mililitro normalment­e encontrada­s em mar aberto, o nível é alto para um corpo de água sem sol, enterrado nas profundeza­s de uma geleira antártica. A descoberta tem implicaçõe­s para a busca de vida em outros planetas, em particular em Marte, onde há sinais de um lago enterrado de água salgada líquida.

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Jeremy Harbeck/Nasa
 ?? Brandon Peecook/Field Museum ?? 1 Caverna gigante de gelo está sob a geleira Thwaites; o vazio foi formado pelo derretimen­to do gelo
2 Imagem do furo de sonda 1.700 m abaixo do gelo; amostra era rica em bactérias
3 Lago de lava na Ilha Saunders, na Antártida
4 Cientista utiliza sismógrafo na Antártida para captar zumbido sísmico na plataforma de gelo Ross
5 Fósseis do arquossaur­o, que viveu há 250 milhões de anos na Antártida, quando a região era de floresta
Brandon Peecook/Field Museum 1 Caverna gigante de gelo está sob a geleira Thwaites; o vazio foi formado pelo derretimen­to do gelo 2 Imagem do furo de sonda 1.700 m abaixo do gelo; amostra era rica em bactérias 3 Lago de lava na Ilha Saunders, na Antártida 4 Cientista utiliza sismógrafo na Antártida para captar zumbido sísmico na plataforma de gelo Ross 5 Fósseis do arquossaur­o, que viveu há 250 milhões de anos na Antártida, quando a região era de floresta
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Kathy Kasic/salsa-antarctica.org
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Landsat 8/British Antarctic Survey

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