Folha de S.Paulo

Atletas ainda aprendem a lidar com ofensas nas redes

Psicólogos se preocupam com reação de esportista­s que recebem críticas

- Alex Sabino

“É preciso que o atleta entenda o que é a sua imagem. É hipocrisia falar ‘não entre nas redes’. É um preconceit­o. É preciso ter uma relação consciente

Alessandra Dutra

Psicóloga especializ­ada do RED Canids, organizaçã­o de esports, e do Comitê Olímpico do Brasil

são paulo O técnico do Manchester United (ING), Ole Gunnar Solskjaer, pediu para o meia-atacante Jesse Lingard, 27, se afastar das redes sociais por alguns meses.

Com suspeitas de que comentário­s negativos tenham influência no desempenho dos jogadores, o clube contratou equipe de especialis­tas para aconselhá-los sobre como lidar com xingamento­s e críticas na internet.

Ben Hunt, 29, jogador de rúgbi na liga australian­a, procurou psicólogo e confessou dificuldad­e para se manter mentalment­e bem depois de ler ofensas no Twitter.

Kevin Durant, 31, hoje no Brooklyn Nets, da NBA, tinha contas falsas e as usava para se defender de ofensas. Ele depois explicou ter outros perfis, além do oficial, para se comunicar com amigos e familiares mas teria se esquecido de voltar ao original para responder às críticas.

O comissário da liga americana de basquete, Adam Silver, confessou surpresa ao perceber que vários jogadores pareciam infelizes e isolados.

Essa é uma percepção que engatinha no Brasil, especialme­nte no futebol, o esporte mais popular do país. Dos 4 principais times paulistas, nenhum tem psicólogo no dia a dia do elenco profission­al ou faz trabalho para que os atletas saibam lidar com mensagens nas redes sociais.

O São Paulo tem uma profission­al na função, mas que, segundo o clube, não participa ativamente no cotidiano.

O Palmeiras possui psicóloga para todas as categorias de base. Ela também faz o papel de assistente social. Novidade no estado, o Red Bull Bragantino

tem psicólogo, assistente social e pedagoga para a base. No profission­al, há um coach.

“O futebol não tem capacidade para parar e discutir esse assunto. As pessoas acham que têm de trazer comediante, gente que anda sobre cacos de vidro, em carvão na brasa... Enquanto houver esse pensamento no futebol, não vai mudar”, critica o psicólogo e neurocient­ista Murilo Calafange.

Os clubes brasileiro­s não têm o que Jim Taylor, doutor em psicologia esportiva e professor da Universida­de de San Francisco, nos EUA, chama de “programa de treinament­o de imagem”. O esportista adquire a consciênci­a de se preservar nas redes sociais e mantém o foco na atividade esportiva.

“O atleta precisa se afastar das redes sociais antes de competiçõe­s ou jogos importante­s. Em um Brasileiro [de futebol] em pontos corridos, claro que ele vai querer dar atenção à família e aos amigos. Isso muitas vezes acontece a partir do mesmo aparelho [celular] em que lida com as mensagens das redes sociais”, diz Eduardo Cillio, psicólogo do esporte com trabalhos em 10 times da Série A e na seleção brasileira de futsal.

“Há times que limitam o uso do telefone nas refeições e nos quartos. Prefiro que tenham consciênci­a de que precisa reservar esse tempo e aprendam a se controlar”, completa.

Cillio instruiu a dupla Ágatha e Duda, do vôlei de praia, a deixar suas redes sociais nas mãos de uma empresa 20 dias antes do embarque para a Olimpíada de Tóquio. Ele ainda tenta convencer as jogadoras da seleção feminina de rúgbi a fazer o mesmo.

“É fundamenta­l que, em uma competição assim, elas não tenham preocupaçã­o com mensagens de outras pessoas ou críticas. Mesmo que não tenha reclamaçõe­s, o volume de mensagens atrapalha. Toma tempo, exige atenção em um momento em que deveripens­ar só na competição”, opina.

Nas duas últimas Olimpíadas, atletas brasileiro­s tiveram problemas com as redes sociais. Após sua primeira prova na Rio-2016, a nadadora Joanna Maranhão escreveu mensagem de agradecime­nto aos torcedores. Usuários fizeram comentário­s ofensivos contra ela, que respondeu.

Quatro anos antes, em Londres, a judoca Rafaela Silva perdeu nas eliminatór­ias por causa de um golpe irregular e recebeu xingamento­s racistas.

Novas modalidade­s, como os esports, dependem muito da interação dos jogadores com seus seguidores ou fãs. Ao contrário dos clubes de futebol, os times mais importante­s de games do país contam com psicólogos.

“As redes sociais se transforma­ram no maior meio de comunicaçã­o e relação do atleta. Torna-se a sua forma de se relacionar com os outros. É um aspecto da sua personalid­ade. E o atleta é influencia­dor. A vida é dele é compartilh­ada. O que fala, como se comporta, aquilo que responde, como responde...”, afirma Alessandra Dutra, psicóloga do RED Canids, organizaçã­o de esports, e do COB (Comitê Olímpico do Brasil).

“É preciso que o atleta entenda o que é a sua imagem. É hipocrisia falar ‘não entre nas redes’. É um preconceit­o. É preciso ter uma relação consciente”, completa.

Não há estatístic­as sobre qual é o esporte mais visado pelos detratores das redes, conhecidos como “haters”, mas pela popularida­de o futebol ganha mais repercussã­o.

O Sindicato dos Atletas Profission­ais do Estado de São Paulo tem o programa Educatleta, que fala aos jogadores como e quando se posicionar nas redes sociais.

“Os clubes não fazem questão que seus contratado­s participem. Eles não percebem que é algo que pode afetar também a imagem das equipes”, afirma Rinaldo Martorelli, presidente da entidade.

O meia Andreas D’Alessandro percebeu e foi à Delegacia de Repressão a Crimes Informátic­os em Porto Alegre em 2018. Tinha relatório de ofensas direcionad­as a ele e seus familiares. Onze pessoas foram indiciadas por difamação.

Enquanto estava de férias no Equador em dezembro, o zagueiro do São Paulo Arboleda tirou foto com a camisa do Palmeiras. Criticado por torcedores na internet, ele logo postou pedido de desculpas.

Ao se apresentar no time tricolor, em janeiro, ouviu conselhos de funcionári­os do São Paulo e do técnico Fernando Diniz, formado em psicologia.

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