Folha de S.Paulo

Caçadores de tesouros vasculham o rio Tâmisa atrás de 2.000 anos de história

- Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves

londres | the new york times Em uma manhã congelante, Lara Maiklem abriu um portão atrás de um bar no sudeste de Londres e desceu uma série de degraus de pedra na margem do rio Tâmisa.

O rio corta a cidade de oeste a leste, dividindo-a em dois enquanto serpenteia entre novos arranha-céus e antigos armazéns portuários.

Duas vezes ao dia, a maré baixa faz as bordas do Tâmisa recuarem, e o nível do rio desce até seis metros em algumas partes, revelando séculos de uma Londres esquecida. Fragmentos de vida antiga brotam da terra exposta.

É aí que surgem os chamados “mudlarks” —ou cotovias da lama, em português— como Maiklem, que em poucos minutos ela já havia avistado fragmentos de um jarro do século 17, com o rosto de um homem barbado visível na cerâmica.

O nome “cotovia da lama” foi dado primeirame­nte aos pobres da era vitoriana que procuravam no rio coisas que pudessem vender, como restos de cobre e cordas. Mais recentemen­te, porém, o rótulo foi aplicado a colecionad­ores, amantes da história e caçadores de tesouros que vasculham vestígios da Londres antiga.

A atividade ficou mais popular nos últimos anos, promovida em parte por grupos de redes sociais, onde entusiasta­s compartilh­am descoberta­s.

Fiona Haughey, arqueóloga de Londres que estuda o Tâmisa desde os anos 1990, disse que alguns procuram objetos valiosos, mas outros buscam apenas uma conexão comum a Inglaterra longínqua.Éa ligação comas camadas devidas dos londrinos de antigament­e que une principalm­ente os entusiasta­s.

Par aH a ugh ey,especi alizada emp ré-história, tema ver com o que um objeto pode lhe contar sobre seu dono, mais que seu valor. “Eu adoro o enigma da coisa”, disse ela.

A Autoridade Portuária de Londres, queé adonado Tâmisa junto comas Propriedad­es da Coroa (ou seja, a rainha Elizabeth 2ª), começou a regular a exploração da área em 2016, exigindo que os interessad­os em vasculhar as margens tirem uma autorizaçã­o especial.

Esses documentos —cerca de 1.500 foram emitidos neste ano— permitem que as pessoas explorem o terreno e raspem ou escavem a lama até a profundida­de de 7,5 cm. Os catadores devem informar sobre objetos que possam ter interesse arqueológi­co ao Esquema de Antiguidad­es Portáteis, dirigido pelo Museu Britânico.

A Grã-Bretanha obriga qualquer pessoa que desenterre “tesouros” —definidos como descoberta­s únicas de ouro e prata com mais de 300 anos, conjuntos de moedas e trabalhos em metal pré-históricos— a informar ao governo.

Às vezes ocorrem descoberta­s importante­s, como a primeira “spintria” encontrada na Grã-Bretanha. “Spintriae” são caixas de bronze romanas com imagens de atos sexuais em uma face e um numeral romano na outra, cuja finalidade é incerta.

E cada maré revela um pouco da variada história da cidade: moedas romanas, broches medievais usados por peregrinos religiosos, um elaborado relógio do século 17.

O Tâmisa, que atraiu pessoas a fundarem a cidade há mais de 2.000 anos, é um dos melhores conservado­res da história de Londres. O rio foi usado de muitas formas —como estrada, fonte de alimento e, mais importante para os “mudlarks”, local de descarte.

No centro, onde ficava o coração da cidade romana, muitas descoberta­s são romanas ou medievais. Mais a oeste, foram achadas evidências de assentamen­tos pré-históricos.

 ?? Fotos Andrew Testa/NYT ?? À esq., a londrina Lara Maiklem na margem do Tâmisa; acima, objetos encontrado­s por ela
Fotos Andrew Testa/NYT À esq., a londrina Lara Maiklem na margem do Tâmisa; acima, objetos encontrado­s por ela

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