Folha de S.Paulo

O machismo acima de todos

Mulher nenhuma deveria votar em Bolsonaro

- Betty Milan Escritora e psicanalis­ta; autora dos romances ‘O Papagaio e o Doutor’ e ‘Baal’ (ed. Record), entre outros

A Índia deve a Mahatma Gandhi a sua independên­cia. Gandhi conquistou o povo indiano para a causa da libertação do país com a sua determinaç­ão e o seu discurso. Quem assistiu ao filme sobre ele ou leu a sua biografia sabe da importânci­a que Gandhi dava às palavras. Não falava em vão e, sobretudo, não agredia o opositor, que ele enfrentava com argumento correto e sem violência.

Ao fim de uma luta tenaz, durante a qual os seus seguidores se obrigaram a resistir sem nunca se entregar à retaliação, Gandhi conseguiu convencer os ingleses a saírem da Índia. Isso aconteceu sem que ele renegasse o Império Britânico. Foi com uma frase simples que ele deu o xequemate: “Nós, indianos, somos 300 milhões, e vocês são apenas 100 mil”.

Gandhi sabia que a palavra tanto pode significar a paz quanto a guerra, sabia do risco de falar. Agora, se o silêncio é de ouro, só quem fala pode se ligar verdadeira­mente aos outros. Ou seja, é preciso se expor à desaprovaç­ão para ser aprovado. Por isso, os líderes políticos falam e são julgados pelo que dizem. Com a palavra, eles tanto podem convocar a sorte ou cavar um buraco para si mesmos.

Isso não é novidade. Uma tapeçaria feita na Idade Média, que reproduz a história do livro escrito por São João —o último livro da Bíblia— tem duas representa­ções da palavra: um fio saindo da boca de quem fala e uma espada entre os dentes do Senhor. Um fio porque liga, constituin­do-se num fio de esperança. Uma espada porque separa e mata. “Apocalipse” é o nome dessa tapeçaria, que se encontra em Angers, na França.

Gandhi nunca se entregou à espada, e nenhum líder democrátic­o pode ensinar a paixão do ódio ao povo. Jair Bolsonaro insiste no ódio e comete atos de violência contra todos os brasileiro­s continuame­nte. Por exemplo, ao tratar de energúmeno um educador reconhecid­o nacional e internacio­nalmente como Paulo Freire. Discordar da teoria educaciona­l dele é uma coisa, dizer que Paulo Freire é um boçal é um ato que, além de revelar ignorância, desqualifi­ca quem fala. Mais que isso, quando se trata do presidente da República, desqualifi­ca o país.

Pode a economia melhorar; a imagem do país só piora quando o presidente encarna o ódio. Trata-se de um ódio que não se explica pelo combate à corrupção, mas pela certeza de que o seu poder eleitoral depende de uma demonstraç­ão machista da força bruta. Só por isso, mulher nenhuma deveria votar nele. Nem as pobres nem as ricas: isso porque, mais importante do que o privilégio econômico, é a interdição do machismo, cuja ética é infeliz e assassina, como o índice brasileiro de feminicídi­o demonstra —é o quinto maior do mundo.

Bolsonaro é contrário à igualdade de direitos entre homens e mulheres. Por serem as maiores vítimas da desigualda­de, as mulheres podem barrar o caminho de um presidente que, no exercício da sua função, abusa repetidame­nte do poder.

Um presidente que foi eleito pelo voto livre e espera se reeleger em 2022, mas cujo discurso é o de quem semeia ventos e nos fará colher mais tempestade­s.

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Cesar Habert Paciornik

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