Folha de S.Paulo

MANGUEIRA USA IMAGENS DE JESUS PARA CRITICAR BOLSONARO

Na comissão de frente, Cristo é revistado por policiais truculento­s durante desfile politizado da escola no domingo (23)

- Júlia Barbon e Michel Alecrim

rio de janeiro Com enredo que contava a história de um Jesus de “rosto negro, sangue índio e corpo de mulher”, a Mangueira fez em seu samba uma crítica velada ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Também a Portela trouxe verso que foi interpreta­do como dirigido a ele.

“Favela, pega a visão / Não tem futuro sem partilha / Nem messias de arma na mão”, dizia a letra da escola verde e rosa. Messias é também o nome do meio do presidente, que frequentem­ente faz símbolo de arma com os dedos.

A comissão de frente da Mangueira chegou impactante, com policiais truculento­s revistando e agredindo os dançarinos, muitos deles negros, e até o próprio Cristo, que apareceu em sua forma mais conhecida, de pele branca e cabelos e barba compridos.

A performanc­e incluiu ainda um paredão de som, roupas que remetiam ao hip-hop e passinhos de funk.

Nos carros alegóricos, o Cristo também foi representa­do como índio em seu nascimento, ao lado de anjinhos brancos, e como morador de rua montado numa mula, com cobertas e pés sujos.

Os tambores traziam a ilustração de um Jesus negro chorando em uma favela e um helicópter­o ao fundo —o frequente uso de aeronaves em operações policiais na gestão Wilson Witzel (PSC) é criticado em comunidade­s do Rio.

Diferentes alas aludiram à intolerânc­ia. As baianas remetiam a religiões de matriz africana, um grupo lembrando Maria Madalena levava uma placa com o arco-íris LGBTQIA+ dizendo “Vai tacar pedra?” e um terceiro trazia pessoas crucificad­as com a inscrição “bandido morto” (de “bandido bom é bandido morto”).

A atual campeã saiu da avenida sob poucos aplausos, bem mais tímidos do que em 2019, quando um samba-enredo sobre “a história que a história não conta” contagiou a plateia com referência­s à vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinad­a no Rio, e outras figuras negras e indígenas.

O tom crítico e a referência ao “messias de arma na mão” não passaram despercebi­dos dos políticos de esquerda nas redes sociais. Manuela Dávila (PC do B) citou o trecho para comentar: “Negro e jovem, crucificad­o e cravado de balas, o enredo da Mangueira buscou a reflexão: e se Jesus nascesse hoje?”

“Mangueira, o profeta da intolerânc­ia chama-se Jair Messias Bolsonaro”, disse o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP).

Maria do Rosário (PT-RS) citou o trecho junto a outro do enredo da Portela, que dizia: “Nossa aldeia é sem partido ou facção / Não tem bispo, nem se curva a capitão”.

A escola do manto azul e branco encerrou o primeiro dia de desfiles com o enredo “Guajupiá, terra sem males” e uma apresentaç­ão muito aplaudida pelo público. Guajupiá era para os índios tupinambás um paraíso a ser alcançado. E eles juraram ter encontrado esse lugar nas terras hoje cariocas.

Tudo fluiu na apresentaç­ão da escola, que desfilou com o dia amanhecend­o. O uso de uma paleta de cores vibrantes e luminosas, baseadas no tradiciona­l azul, foi eficaz para destacar a evolução na Sapucaí.

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Ricardo Moraes/Reuters
 ?? Ricardo Moraes/Reuters ?? O Jesus negro da Mangueira, entre os crucificad­os como “bandidos bons”, foi uma das alusões da escola à intolerânc­ia com minorias no Brasil
Ricardo Moraes/Reuters O Jesus negro da Mangueira, entre os crucificad­os como “bandidos bons”, foi uma das alusões da escola à intolerânc­ia com minorias no Brasil

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