Folha de S.Paulo

A verde e rosa entrega provocação que prometeu

- Úrsula Passos

são paulo A primeira noite do grupo especial carioca confirmou o que era esperado das escolas de samba do Rio neste ano: um Carnaval muito político. De pedido por respeito às religiões afro a Jesus e apóstolos moradores do morro tomando enquadro da polícia, a Sapucaí viu temas de 2020.

Ao contrário do que se viu no Anhembi, em São Paulo, que pareceu alienado, com a maior parte das escolas descoladas da realidade.

A Mangueira era a mais esperada da noite, com um enredo que causou polêmica entre religiosos, propondo o retorno de Jesus aos morros cariocas hoje. A expectativ­a não foi de todo frustrada, mas o samba, de canto difícil —o que já era possível notar nos ensaios—, não levantou a arquibanca­da.

A verde e rosa, porém, entregou a provocação que prometeu. Já na comissão de frente, um Jesus hip-hop dança e faz poses para selfies com seus amigos-apóstolos moradores de morros cariocas até serem interrompi­dos por policiais violentos que os revistam contra um muro.

O carro abre-alas trazia Nelson Sargento e Alcione como José e Maria, começando um desfile que deu a Cristo e aos santos a face das minorias.

Ao longo de alas e carros, Jesus foi negro, mulher, indígena, gay e presidiári­o. Um carro gigantesco trazia um jovem negro de cabelo platinado e tatuagens crucificad­o; onde normalment­e se lê “Inri”, liase “Negro”.

A rainha de bateria, uma mulher negra, coberta por um vestido roxo, representa­va Jesus com seus estigmas. A provocação, ali, encontrou seu limite: Evelyn Bastos estava bastante vestida para uma passista e não sambou.

A Grande Rio, com enredo sobre o pai de santo Joãozinho da Gomeia, fez uma defesa da liberdade religiosa com uma das frases de refrão mais fortes da noite. Seu samba, cheio de referência­s ao candomblé, cantava “eu respeito o seu amém/ você respeita o meu axé”.

A escola de Caxias fez um lindo desfile, com enredo ligado à comunidade —Joãozinho atuou na cidade—, carros coloridos e uma comissão de frente acompanhad­a de tripé com espelho d’água que narrava a visão infantil de Joãozinho, um grande pássaro, que lhe revelou sua vocação.

Viradouro e Portela, contudo, com seus enredos menos explicitam­ente ativistas, foram as que mais se destacaram para brigar pelo título.

Encerrando a noite, a escola de Madureira fez um desfile impecável dedicado à história do Rio de Janeiro indígena tupinambá, antes da ocupação branca, abusando dos espelhados e das cores vivas, que se destacam ao raiar do dia.

Havia tempos que não se via um desfile sobre a herança indígena tão bem feito, com carros de beleza impression­ante.

A niteroiens­e Viradouro dedicou a noite às lavadeiras baianas da lagoa de Abaeté, com uma homenagem às mulheres negras de Salvador.

A comissão de frente arrebatou o público com coreografi­a de Alex Neoral, da companhia de dança Focus, e a presença de uma atleta de nado sincroniza­do em tanque d’água vestida de sereia.

De pedido por respeito às religiões afro a Jesus e apóstolos moradores do morro tomando enquadro da polícia, a Sapucaí viu temas de 2020. Ao contrário do que se viu em São Paulo, que pareceu alienado, com a maior parte das escolas descoladas da realidade

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