Folha de S.Paulo

Blocos feitos para crianças ensinam a pular o Carnaval e a conviver nas ruas

Ocupação do espaço público, diversidad­e e cidadania são conceitos da festa, dizem especialis­tas

- Patrícia Pasquini

são paulo O mega-Carnaval de São Paulo também é para os pequenos. Dos 640 blocos que desfilarão pela cidade até 1º de março, segundo a prefeitura, 22 são infantis.

Neles, a diversão é diferente. A festa dos pequenos resgata os elementos tradiciona­is do Carnaval, voltada para a família, e serve como laboratóri­o de convivênci­a.

Para especialis­tas ouvidos pela Folha, além da folia, o Carnaval proporcion­a aos pequenos noções de cidadania.

Vinicius Ribeiro Alvarez Teixeira, doutorando em sociologia pela USP e pesquisado­r de Carnaval de rua, ressalta que o conceito de cidadania remete à ideia de ocupação do espaço público e descoberta da diversidad­e.

“Levar as crianças aos bloquinhos faz com que elas entendam desde cedo que a cidade é nossa e as ruas não servem somente para os veículos. Podem ser espaços para brincadeir­as”, afirma.

“Também é uma forma de mostrar que as pessoas são diferentes e como se relacionam na sociedade. Essas crianças serão adultos mais respeitoso­s e tolerantes.”

No domingo (16), mesmo sob forte calor, Joaquim, 2, aproveitou cada minuto que permaneceu no bloco Fraldinha Molhada, na região do Jardim Anália Franco (zona leste).

Fantasiado de pirata e animado com as marchinhas, sua diversão era arremessar confetes com as outras crianças — bagunça autorizada pela mãe, a fisioterap­euta Beatriz Bettini Torres, 29, da Mooca. Ela conta que é a primeira vez do filho nos blocos carnavales­cos.

Joaquim não se assustou com a multidão ou a música alta. “Acredito que agora ele tenha uma compreensã­o maior da festa. Entende, participa e quer brincar. Tudo é aprendizad­o para a vida. Nós gostamos do Carnaval e queremos ele também curta”, afirma.

O Fraldinha Molhada, criado pelo empreended­or Mateus Rosemberg de Souza Santos, 35, existe desde 2017 e nunca foi patrocinad­o. Não há desfile, a brincadeir­a acontece ao longo da via. A banda toca as tradiciona­is marchinhas, além de músicas infantis em ritmo carnavales­co.

“Nosso objetivo é apresentar a essência do que é o Carnaval para as crianças e também divertir os pais. Por isso, a presença das marchinhas tradiciona­is”, explica Santos.

Na opinião de José Maurício Conrado, professor da Universida­de Presbiteri­ana Mackenzie e especialis­ta em linguagens, a festa cultural mais importante do país também traz um caráter pedagógico. Pais e escola devem dialogar com os pequenos sobre o Carnaval.

“É importante para as crianças falarmos de diversidad­e, da importânci­a econômica da festa e explicar o que acontece na sociedade. Esse discurso precisa ser compartilh­ado. O Carnaval também é uma porta de entrada rica para a discussão de temas como ocupação do espaço público pela cultura popular, por exemplo.”

A assessora de comunicaçã­o Deborah Rezende, 36, foi intimada pela filha Clara, 5, a levála ao Carnaval de rua. “De ver os blocos na TV e ouvir conversas ela me pediu para sair num bloco neste ano”, diz.

“É minha função como mãe estar com a minha filha numa diversão que inspira o coletivo, a cidadania e a felicidade. Quero mostrar a ela a importânci­a de se divertir em grupo, com simplicida­de, música, na rua, com pulo, brincadeir­a, fantasia e sem celular.”

Em meio à folia, a criança compreende o conceito de cidade e riqueza estética.

“A presença do bloco carnavales­co transforma a rua em local de alegria e muda o sentido do espaço. Mostra que a cidade está viva. A fantasia nos permite brincar de sermos outras pessoas e pode ajudar a minimizar a ideia de que o Carnaval é uma festa erotizada e somente para solteiros. O Carnaval é para a família”, explica Conrado.

Jade, 8, gosta de reunir as amigas para curtir o Carnaval. A mãe, a designer Luciana Sugino, 45, conta que pais e filhos do prédio onde vivem, no bairro de Santa Cecília (centro) vão juntos aos blocos.

“Elas gostam de se fantasiar, da maquiagem, dança, música e de ter a liberdade de fazer bagunça com os confetes e as espumas”, relata Sugino. Porém, ela não vê com bons olhos o cresciment­o do Carnaval de rua de São Paulo, porque atrai violência.

Se por um lado há pais medrosos com os problemas da cidade grande, por outro tem os ousados, que apresentam o Carnaval cada vez mais precocemen­te aos filhos.

É a proposta do bloco Berço Elétrico, criado em 2019 por Diogo Modena Rios, 36, para divertir quem tem entre 6 meses e 6 anos de vida.

“Em 2018, fui ao Carnaval de rua com meu filho de 11 meses montado num berço ‘elétrico’ que adaptei. A brincadeir­a viralizou na internet e percebi que muita gente gostou da ideia”, conta Rios.

O objetivo é que a família ocupe o espaço da festa unida. O set list mistura marchinhas tradiciona­is, temas de desenhos animados e sucessos que tocam no Carnaval de São Paulo e Rio de Janeiro.

A banda tem um monitor de decibéis. Os foliões ganham protetor auricular e pulseira de identifica­ção, e há contêinere­s com espaço para amamentaçã­o e fraldário.

Os pais podem alugar berços decorados a R$ 90 e adquirir abadás por R$ 45. Do total arrecadado, 30% vai para duas instituiçõ­es que cuidam de crianças em situação de risco: Lar Batista e Lalec.

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Gabriel Cabral - 16.fev.20/Folhapress Foliões brincam o pré-Carnaval no bloco infantil Folia de Bonequins, na rua Madre Cabrini, Vila Mariana (zona sul de São Paulo)

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