Folha de S.Paulo

Katherine Johnson, a matemática que levou o homem à Lua, morre aos 101

- Margalit Fox

nova york|the new york times Eles pediram a lua para Katherine Johnson, e ela deu a eles.

Com pouco mais de um lápis, uma régua de cálculo e uma das melhores mentes matemática­s do país, Johnson, cuja morte aos 101 anos foi anunciada na segunda (24) pela Nasa, calculou as trajetória­s precisas que permitiria­m à Apollo 11 pousar na lua em 1969 e, após o passeio lunar de Neil Armstrong, permitir seu retorno à Terra.

Um único erro, ela sabia, poderia ter consequênc­ias terríveis para a nave e a especialme­nte para a tripulação. Seus cálculos impecáveis já haviam ajudado a planejar o voo bem-sucedido de Alan B. Shepard Jr., que se tornou o primeiro americano no espaço, a bordo da espaçonave Mercury, em 1961.

No ano seguinte, ela também ajudou a tornar possível que John Glenn, na Mercury Friendship 7, se tornasse o primeiro americano a orbitar a Terra.

No entanto, ao longo dos 33 anos de Johnson na Divisão de Pesquisa de Vôo da Nasa —o escritório do qual o programa espacial americano surgiu— e durante décadas depois, quase ninguém sabia o nome dela. Johnson era uma das centenas de mulheres com educação rigorosa, de capacidade ímpar e ainda assim sem grande notoriedad­e que, muito antes do movimento feminista moderno, trabalhava­m como matemática­s da Nasa.

Mas não foi apenas o sexo que a manteve muito marginaliz­ada e muito ignorada: Katherine Coleman Goble Johnson, uma nativa da Virgínia Ocidental que iniciou sua carreira científica na era de Jim Crow, também era negra.

Na velhice, Johnson tornouse a mais famosa do pequeno grupo de mulheres negras — talvez três dúzias—que, no meio do século, serviram como matemática­s para a agência espacial e seu antecessor, o Comitê Consultivo Nacional de Aeronáutic­a.

A história foi contada no filme de Hollywood de 2016 “Estrelas Além do Tempo” (“Hidden Figures”, no original), baseado no livro de Margot Lee Shetterly com o mesmo título, publicado naquele ano. O filme estrelou Taraji P. Henson como Johnson, a figura central do filme. Também estrelou Octavia Spencer e Janelle Monáe como as colegas Dorothy Vaughan e Mary Jackson.

Em janeiro de 2017, “Hidden Figures” recebeu o Screen Actors Guild Award por excelente desempenho de um elenco em um filme. O filme foi indicado a três Oscars, incluindo melhor filme. Embora não tenha vencido, Johnson, de 98 anos e meio, foi aplaudida de pé quando apareceu no palco com o elenco na cerimônia do Oscar.

Em 2015, o presidente Barack Obama concedeu-lhe a Medalha Presidenci­al da Liberdade, proclamand­o: “Katherine G. Johnson se recusou a ser limitada pelas expectativ­as da sociedade em relação a seu gênero e raça, ao expandir os limites do alcance da humanidade”. Em 2017, a Nasa dedicou um edifício em sua homenagem. Naquele ano, o Washington Post descreveu-a como “o mais destacado dos computador­es” —“computador­a” era o termo usado originalme­nte para designar Johnson e suas colegas.

Ela “ajudou nossa nação a ampliar as fronteiras do espaço”, disse o administra­dor da Nasa, Jim Bridenstin­e, em comunicado, “enquanto fazia grandes progressos que também abriram portas para mulheres e pessoas de cor na busca humana universal de explorar o espaço.”

Como a própria Johnson gostava de dizer, seu período em Langley —de 1953 até sua aposentado­ria em 1986— foi “uma época em que os computador­es usavam saias”.

Por alguns anos, em meados do século, as mulheres negras que trabalhava­m como “computador­es” foram submetidas a uma dupla segregação: destinadas a escritório­s, refeitório­s e banheiros separados, foram mantidas separadas do grupo muito maior de mulheres brancas que também trabalhava­m como matemática­s da Nasa . As mulheres brancas, por sua vez, foram segregadas dos matemático­s e engenheiro­s da agência.

Mas com o tempo, o trabalho de Johnson e suas colegas —inúmeros cálculos feitos principalm­ente à mão, usando regras de slides, papel milimetrad­o e máquinas de calcular barulhenta­s— conquistou um nível de aceitação que, na maioria das vezes, transcende­u as barreiras raciais.

“A Nasa era uma organizaçã­o muito profission­al”, disse Johnson em 2010. “Eles não tinham tempo para se preocupar com a cor que eu era.” “Nem eu”, completou.

Até o fim da vida, Johnson deu pouca atenção aos elogios por seu papel em enviar astronauta­s ao espaço, mantê-los no curso e trazê-los a salvo para casa. “Eu estava apenas fazendo meu trabalho”, disse Johnson inúmeras vezes a Shetterly, durante a pesquisa para o livro.

 ?? Carlos Barria/Reuters ?? Katherine Johnson, cujos cálculos levaram o homem à Lua, homenagead­a por Barack Obama em 2015
Carlos Barria/Reuters Katherine Johnson, cujos cálculos levaram o homem à Lua, homenagead­a por Barack Obama em 2015

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