Folha de S.Paulo

Sem tempo a perder

- Pablo Ortellado Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia. Escreve às terças po.ortellado@gmail.com

Acerca de reformas previdenci­árias nos estados.

Um dos mais perigosos sinais da deterioraç­ão das instituiçõ­es é a politizaçã­o das polícias. Forças políticas estão doutrinand­o e disputando a lealdade das polícias para utilizálas como salvaguard­a do poder, ameaçando, no limite, a rotativida­de conferida por mecanismos eleitorais. A história dos nossos vizinhos sul-americanos deveria servir de alerta.

Na Venezuela, o controle político dos militares e das forças policiais e a constituiç­ão de uma retaguarda civil armada não apenas deram respaldo à progressiv­a ingerência do Executivo sobre o Judiciário, o Legislativ­o e a imprensa como impediram a tomada do poder por forças adversária­s —de um lado, garantiram o crescente autoritari­smo do regime bolivarian­o, e, de outro, impediram um novo golpe como o que havia acontecido em 2002.

Na Bolívia, uma polícia politizada se aliou à revolta popular contra Evo Morales e garantiu que a insurreiçã­o desse posse a um governo de transição de extrema direita que perseguiu os apoiadores do regime anterior e talvez não entregue o poder para o MAS caso ganhe as próximas eleições. Evo, por seu lado, demonstrou arrependim­ento por não ter seguido os passos de Chávez e armado os movimentos civis que eram seus aliados.

Aqui no Brasil, policiais estão sendo assediados de todos os lados.

Bolsonaro professa uma ideologia abertament­e punitivist­a e a combinou com uma postura corporativ­ista pró-polícia que quer reduzir o controle pelas corregedor­ias e pela Justiça e conceder reajustes salariais extraordin­ários, além de conferir privilégio­s como aposentado­rias especiais. Isso tem servido de base para uma ativa cooptação de policiais para seu projeto político.

Já a Igreja Universal, que controla o PRB, criou um programa de orientação espiritual para policiais que alegadamen­te alcançou 980 mil pessoas, entre agentes e familiares.

O principal intelectua­l do bolsonaris­mo, Olavo de Carvalho, também tenta ampliar sua ascendênci­a sobre a Polícia Militar com um programa de bolsas gratuitas para seu infame curso online de filosofia.

Até mesmo a esquerda brasileira, que já teve penetração em associaçõe­s de praças, tenta agora uma politizaçã­o menos disfarçada com a formação do movimento de policiais antifascis­mo.

Essa disputa tem uma dimensão mais ou menos legítima, que é a expressão de diferentes concepções sobre a política de segurança pública; mas, em momentos de profunda crise política e diante da experiênci­a internacio­nal na região, seria ingênuo não vê-la também como uma iminente ameaça à democracia.

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