Folha de S.Paulo

Relator prevê PEC da 2ª instância sem se restringir à ação penal

Para deputado, execução antecipada da pena deve valer para outros ramos do direito e só para processos novos

- Danielle Brant e Julia Chaib

brsaília A PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) da execução da pena logo após condenação em segunda instância deve ser aplicada apenas a novos processos. A medida não deverá se restringir ao âmbito penal, segundo o relator do texto, o deputado federal Fábio Trad (PSD-MS).

O congressis­ta deve entregar o relatório no início de março, em meio a uma disputa entre Câmara e Senado pelo protagonis­mo da discussão.

No Senado, tramita um projeto de lei que prevê que a execução após segunda instância vigore apenas na esfera criminal.

Senadores buscam apoio para aprovar o projeto em plenário, mas o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), resiste em pautá-lo.

Ele fez um acordo com a Câmara para aguardar a chegada da PEC que tramita na comissão especial, instalada em dezembro de 2019.

A proposta relatada por Trad foi elaborada para dar uma resposta à pressão da rua e de congressis­tas lavajatist­as que cobram do Legislativ­o que determine o cumpriment­o da pena após condenação em segunda instância.

A pressão aumentou após o STF (Supremo Tribunal Federal) reformar o próprio entendimen­to a respeito do tema e determinar que um condenado tem o direito a aguardar em liberdade o trânsito em julgado —quando se esgotam os recursos.

A decisão teve efeito imediato e resultou na soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O petista estava preso desde abril 2018.

A costura da PEC analisada pela Câmara começou em novembro, em resposta ao julgamento do STF.

Inicialmen­te, deputados apoiadores da Lava Jato pressionar­am para aprovar um texto que mudava um inciso do artigo 5º da Constituiç­ão. Maia, no entanto, barrou a iniciativa por considerá-la inconstitu­cional.

A saída, então, articulada por líderes de partidos de centro com o apoio de parlamenta­res da oposição, foi produzir uma proposta que alterasse outros trechos da Carta Magna.

A sugestão acatada propõe mudança nos artigos 102 e 105 da Constituiç­ão, que tratam das competênci­as do STF e do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Nos tribunais superiores —o STJ e o Supremo— não se reexaminam provas, e não cabe aos ministros decidir se um réu cometeu ou não um crime. O que se avalia é se a decisão que está sendo questionad­a violou lei federal (no caso do STJ) ou a Constituiç­ão (no caso do STF).

Como há esses requisitos, a grande maioria dos processos penais não sobe para as cortes superiores.

A PEC, na prática, antecipa o trânsito em julgado para a segunda instância a partir do momento que transforma recursos extraordin­ários (STF) e especiais (STJ) em ações revisionai­s, que buscam revisar um erro no processo.

Ao eliminar esses dois tipos de recursos, antecipa-se a possibilid­ade de prisão para a segunda instância.

Isso antecipari­a o cumpriment­o da pena para todos os ramos do direito, e não apenas para casos criminais.

A abrangênci­a da PEC enfrenta resistênci­a de governador­es, juristas e lavajatist­as por ter efeito nas contas públicas. Impactaria os precatório­s (ordens judiciais para pagamento de dívidas de municípios, estados e União), por exemplo.

A ideia de Trad é manter o escopo da medida.

O deputado, no entanto, admite criar uma exceção para processos na área eleitoral, por considerar que as ações já tramitam de forma célere.

“Só descarto a ideia de restringir a PEC ao âmbito penal porquanto a morosidade que acomete o sistema processual atinge também outras áreas do direito”, afirma.

“A PEC é o mais potente remédio contra a falta de efetividad­e em tempo razoável do sistema processual brasileiro, de forma que todas as sugestões tendentes a combater este crônico mal serão muito bem recebidas”, diz.

Segundo Trad, duas alterações que, se aprovadas, terão impacto significat­ivo na população de baixa renda dizem respeito às esferas trabalhist­a e previdenci­ária. Uma empresa condenada a indenizar um ex-funcionári­o seria obrigada a pagar já na segunda instância.

O relator pretende adotar uma alternativ­a ao estabelece­r o ponto de partida dos casos que serão afetados pela PEC. Para isso, ele tende a incluir no relatório a previsão de que a PEC só seja aplicada a processos iniciados após a promulgaçã­o do texto.

Esse seria um meio-termo entre os que defendem a aplicação do novo entendimen­to para ações que ainda não foram julgadas em segunda instância e aqueles que propõem que ela só valha para crimes cometidos a partir de sua promulgaçã­o.

A comissão especial já realizou três audiências públicas. Foram ouvidos o exministro do STF Cezar Peluso, o ministro Sergio Moro (Justiça) e representa­ntes de defensores públicos.

Na sessão da qual participou, Moro disse ser favorável a que a execução após segunda instância valha para todos, mas ressaltou que, se não houver apoio político suficiente para que a PEC incida sobre casos cíveis e criminais, que seja aprovada pelo menos para esses últimos.

“Se possível para ambos, ótimo, mas para os casos criminais a necessidad­e é mais premente, porque esses são os casos que mais nos assustam quando geram impunidade”, disse, em audiência realizada no dia 12.

Moro ainda defendeu a aplicação da PEC a processos em curso, o que iria de encontro à tese de Trad.

“A PEC é o mais potente remédio contra a falta de efetividad­e em tempo razoável do sistema processual brasileiro, de forma que todas as sugestões tendentes a combater este crônico mal serão muito bem recebidas Fábio Trad deputado federal (PSD-MS) e relator da PEC da 2ª instância na Câmara

Outras preocupaçõ­es de juristas também serão abordadas por Tradem seu relatório. Por exemplo, o caso de um réu absolvido em primeira instância, mas condenado em segunda.

O deputado avalia não ser justo privar o réu do direito de impugnar essa condenação. “O duplo grau de jurisdição será prestigiad­o”, afirma.

Além disso, o impacto sobre precatório­s, na avaliação de Trad, não será suficiente para “causar instabilid­ade no sistema”.

“Afinal, aforma e o tempo no pagamento dos precatório­s não serão alterados”, diz.

O relator defende que, no caso de precatório­s, a execução da pena só valha para processos iniciados após a nova lei, por considerar que o pagamento antecipado poderia quebrar estados e a União.

Para ser aprovada, a PEC precisa ser aprovada no plenário por três quintos dos congressis­tas, em dois turnos de votação em cada uma das Casas. A intenção da Câmara é concluir a votação até abril.

Além da prisão de uma pessoa condenada, existem a prisão em flagrante e as prisões cautelares (temporária e preventiva), que servem para garantir a aplicação da lei, proteger a sociedade e evitar novos crimes. Essas podem ser decretadas por um juiz a qualquer momento, inclusive antes de condenação.

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Pablo Valadares - 18.fev.20/Agência Câmara O deputado federal Fábio Trad

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