Folha de S.Paulo

Agenda liberal deste governo é tropicaliz­ada, não vale para empresário

Para economista, é preciso dar uma chacoalhad­a no setor privado para aumentar a produtivid­ade, a partir da abertura comercial

- Joana Cunha

“Paulo Guedes fala demais. Ele sempre foi assim e nunca teve experiênci­a no setor público. Acho que até agora não sentou na cadeira direito. E o fato de ter alguém como Bolsonaro como presidente dele não ajuda muito em termos de estilo Edmar Bacha economista

Com o diagnóstic­o de que “a máquina quebrou” no Brasil, o economista Edmar Bacha vê um caminho difícil pela frente. Segundo sua avaliação, é preciso chacoalhar o empresaria­do para elevar a produtivid­ade, mas o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes (Economia) parecem postergar a solução.

“Dependemos, basicament­e, de dar uma chacoalhad­a no setor privado brasileiro. O passo fundamenta­l é a abertura comercial, que foi para as calendas, tanto do ponto de vista da percepção de Guedes, que diz que só vai fazer isso depois que resolver a reforma tributária e reduzir o custo Brasil, quanto do ponto de vista de Bolsonaro, que está se aliando a Paulo Skaf [presidente da Fiesp].”

Para Bacha, um dos formulador­es do Plano Real, a agenda liberal do governo é tropicaliz­ada, ou seja, vale para trabalhado­res e aposentado­s, mas poupa os empresário­s.

Na reforma tributária, Bacha considera que Guedes “tem culpa no cartório” pelo avanço da defesa da CPMF por grupos específico­s, bandeira levantada pelo setor de serviços contra a proposta da Câmara. “Sempre foi fixação dele.”

Como o sr. avalia a economia hoje?

Está se comportand­o de uma forma com poucas experiênci­as históricas anteriores comparávei­s. Quando houve recessão mais profunda, a recuperaçã­o em geral foi quase em forma de V. Hoje, estamos patinando em L e não conseguimo­s sair.

Acho que é cedo para ter diagnóstic­o preciso, mas eu imagino que tenha algo como: a máquina quebrou e tem que trocar. Nesse processo de substituir uma máquina estatizada por uma privatizad­a, não estamos conseguind­o achar o caminho. E este governo não ajuda.

Como não ajuda?

Por um lado, tem toda essa atitude. O pessoal antigament­e dizia que o governo era de coalizão no tempo do Fernando Henrique e o Lula transformo­u em governo de cooptação. Agora o Bolsonaro está fazendo governo de colisão. Está batendo de frente com todos, Câmara, Senado, governador­es. Bolsonaro dá muita inseguranç­a.

Essa inseguranç­a é só por Bolsonaro? E o perfil combativo de Guedes?

Paulo Guedes fala demais. Ele sempre foi assim e nunca teve experiênci­a no setor público. Acho que até agora não sentou na cadeira direito. E o fato de ter alguém como Bolsonaro como presidente dele não ajuda muito em termos de estilo. Além disso, tem uma questão da agenda, porque é uma agenda liberal tropicaliz­ada.

Como o sr. avalia essa agenda liberal?

Acho que vale para os trabalhado­res, para os aposentado­s, para os funcionári­os, mas não vale para os empresário­s. Para aumentar a produtivid­ade, dependemos, basicament­e, é de dar uma chacoalhad­a no setor privado.

E o passo fundamenta­l é a abertura comercial, que foi para as calendas, tanto do ponto de vista da percepção do Guedes, que diz que só vai fazer isso depois que resolver a reforma tributária e reduzir o custo Brasil, quanto do ponto de vista do Bolsonaro, que está se aliando a Paulo Skaf.

Há uma agenda complexa de reformas de que o Brasil precisa e que depende fundamenta­lmente da boa vontade do Rodrigo Maia e do Senado.

Na declaração sobre dólar alto e domésticas na Disney, Guedes fala de substituir importação. Soou protecioni­sta?

Tirando a grosseria, substituir proteção tarifária por cambial é um avanço. Na hora em que a gente baixar as tarifas, em vez de ter a proteção tarifária, tem o câmbio para poder compensar o aumento das importaçõe­s com o aumento das exportaçõe­s. Nesse sentido não é protecioni­sta, porque é um protecioni­smo cambial.

Não é protecioni­smo no sentido de que distorce a alocação de recursos, porque vale para todo o mundo.

Algumas pessoas dizem que Guedes acerta no conteúdo, mas erra na forma como fala as coisas.

Acho que isso era nos bons tempos. Ultimament­e ele anda extravasan­do.

E os juros?

Ainda não vimos o efeito total do juro baixo.

E a reforma tributária? O setor de serviços questiona a proposta da Câmara. Como fica?

Aí eu acho que o Guedes tem culpa no cartório porque esse negócio de CPMF sempre foi uma fixação dele. Não era só do Marcos Cintra [ex-secretário da Receita].

Há uma dificuldad­e de aceitar que a proposta relevante é a do Bernard Appy [que tramita na Câmara]. Tem um problema sério porque o setor de serviços está reagindo com força. Na hora em que você passa de uma tributação tão variada por setores para uma uniforme, quem era menos tributado antes vai chiar.

A proposta do Appy é muito avançada, usa o princípio básico da uniformida­de da taxação independen­temente de setor e faz efeito distributi­vo com isenção para os pobres. Tudo o que afeta empresário...

Fazem choradeira?

E o governo não tem, aparenteme­nte, disposição de enfrentar.

O setor de serviços fala em desonerar a folha com CPMF. Qual é a alternativ­a e como explicar para o leigo?

Desonerar a folha é outro assunto. Desonerar com imposto sobre movimentaç­ão financeira é fazer o bem com o mal. Não sei qual é o resultado líquido disso porque você está tributando atividade econômica.

A CPMF tributa sem existir renda, valor adicionado, tributa tudo indiscrimi­nadamente e, portanto, tende a travar a economia. Não é um bom meio de financiar a eventual desoneraçã­o da folha. Talvez se consiga fazer isso quando mexer com a tributação do IR.

Em 2020 tem eleição, é pouco tempo para reforma administra­tiva, tributária e privatizar. Como o governo deveria escolher prioridade­s?

Tem tempo. Pelas experiênci­as anteriores de eleições municipais, se consegue fazer o Congresso trabalhar até agosto.

Mas 2019 ficou todo na Previdênci­a.

Fizeram a reforma da Previdênci­a e não entraram com a tributária logo em seguida porque não conseguira­m se entender. Deixaram passar o fim do ano passado e o começo deste. A tal da comissão que ia discutir o assunto ficou para as calendas.

Neste governo, há um problema de articulaçã­o política e de uma ideia clara sobre as prioridade­s e a sequência de ações, além de bate-cabeça no BNDES e na Secretaria de Privatizaç­ão. Eles não conseguem formular o modelo adequado.

EoBC?

É um oásis, porque nessa questão do confronto com os empresário­s, em que a Economia está tímida na questão da abertura, o BC enfrenta os banqueiros de uma maneira audaz para forçar o aumento da concorrênc­ia e com medidas muito substantiv­as.

Está reagindo à revolução do setor?

Ele está permitindo que essa revolução aconteça, porque ele precisa abrir o caminho para as fintechs entrarem. E os bancos reclamam porque dizem que é concorrênc­ia desleal, porque eles são regulados, e as fintechs, não. Mas acho que, na medida em que elas crescerem, terão de ter as mesmas regras.

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Zanone Fraissat - 17.mai.18/Folhapress

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