Orquestra infantil estreia puxando frevo em Pernambuco
recife O som que sai numa segunda à noite da casa 343 da rua 13 de Maio, no sítio histórico de Olinda, paralisa o turista alemão. Com a cabeça enfiada em uma das janelas para observar o que acontece lá dentro, o estrangeiro pergunta ao amigo brasileiro que o acompanhava: “O que é isso?”
É o ensaio da orquestra de frevo formada exclusivamente por crianças e adolescentes do tradicional Grêmio Musical Henrique Dias, uma espécie de fábrica de músicos que funciona há 66 anos sem o apoio regular do poder público.
Após três anos de insistência, a escola de formação musical, que sobrevive graças ao trabalho voluntário de três professores, conseguiu afiar os meninos para, pela primeira vez, comandar blocos do Carnaval de rua em Olinda.
“É como no futebol. Eles são os meninos da base. Daqui a pouco, sobem para o profissional, a Orquestra Henrique Dias, formada por músicos experientes que passaram por aqui”, brinca Luiz Carlos Vieira da Silva, o Lulinha, um dos três professores voluntários.
A orquestra jovem é composta de 20 garotos. Ian Nogueira da Cruz é o mais novo. Tem oito anos. Toca caixa, um instrumento de percussão. “Toco em casa desde os três anos. Quero ser músico igual ao meu pai”, diz, suando, após duas horas de ensaio.
A desenvoltura de Ian impressiona quem o vê. “Olha aquele. Está no sangue”, aponta a produtora cultural Renê Angélica Patriota, que tomava cerveja com amigos perto.
Gustavo Sales, 12, começou na flauta doce e hoje toca saxofone. “Meu futuro é esse. Posso tocar numa banda do Exército também. O que importa é a música. A gente vai se apresentar no Carnaval.”
A escola fundada em 1954 é a primeira profissionalizante de música em Olinda. Por lá já passaram professores como Climério Paulo de Oliveira Filho, o maestro Merinho.
“O objetivo inicial aqui não é ter uma orquestra de frevo. A nossa missão é formar músicos, colocar a música como trilha de vida para esses meninos”, afirma Lulinha.
Todas as aulas são gratuitas. “Sobrevivemos de um aluguel. O dono de um bar aqui nos Quatro Cantos [Olinda] aluga nossa sede no Carnaval para ser depósito de bebidas e, com esse dinheiro, mantemos o projeto o ano inteiro.”
Lulinha ganha a vida fazendo transporte escolar. “Muitos blocos de Olinda, como a Macuca, Causa Ganha, Elefante, entre outros, nos ajudam. Quando quebra um instrumento, mando consertar e digo: ‘Rudá [organizador da Macuca], deu R$ 300. Paga aí, por favor’. Assim que seguimos.”
O músico se orgulha dos meninos. “Eles estão bem demais. Treinamos muito no ano passado. Foi duro. Agora, vamos para a rua mesmo. Por uma tocada no Carnaval, independentemente da idade, cada um deles vai ganhar R$ 100.”
Muitos instrumentos são comprados pelas famílias das crianças .“Alguns juntam um dinheirinho e conseguem comprar. Agente vai tocando o barco assim mesmo .”
Lulinha diz que o mais difícil é conseguir ajuda para os professores. “Tem deslocamento. Tudo é custo. Precisamos de um professor de tuba, a maior dificuldade é tuba e trombone. Muitos desistem por não conseguirem um instrumento .”
Ele chora ao falar da continuidade do projeto. “Isso aqui é de coração. Nunca vai acabar. Quando vejo um menino desse tocando de verdade, valeu tudo.”