Para Lange, autora de ‘Mãe Migrante’, a palavra era fundamental na fotografia
the washington post A mulher na foto mais famosa de Dorothea Lange, muitas vezes identificada apenas como “Mãe Migrante”, é, entre outras coisas, muito bonita. O rosto dela mostra marcas do tempo e rugas de preocupação, mas também indica sensibilidade e inteligência. Ela parece cansada mas bonita, mais ou menos como o homem em “Colhedor Migrante de Algodão”, a primeira foto que o visitante vê na exposição “Dorothea Lange: Palavras e Fotos”, no Museu de Arte Moderna de Nova York.
A beleza deles não costuma ser comentada. Essas fotos, em geral, aparecem cercadas de palavras, seja em suas legendas, seja em forma de um diálogo cultural mais amplo sobre a pobreza e o desespero dos EUA nos anos da Grande Depressão e depois. “Mãe Migrante” foi registrada em 1936, mas só passou a ser conhecida por esse título em 1952, e a identidade da mulher, Florence Owens Thompson, continuou desconhecida pelo grande público até 1978.
Ela é um ícone do sofrimento e perseverança americanos, e também é cherokee, outra palavra que demorou a ser associada à imagem.
Pode parecer óbvio e até desinteressante montar uma exposição sobre a maneira pela qual palavras se vinculam a fotos. O bicentenário da invenção da fotografia se aproxima, e jamais fomos mais desconfiados em nosso relacionamento com ela: o que uma imagem mostra? Como ela foi obtida? Posso confiar nela?
Mas esse nem sempre foi o caso. Ao longo da história, sempre existiu um argumento contrário sobre palavras e imagens: uma boa foto não deveria precisar de explicação. Se a fotografia é arte, e se a arte é autossuficiente, ela deveria se bastar e transmitir seu significado pela imagem e não pela descrição.
Lange registrou algumas das imagens mais impactantes do século passado, mas não tinha objeções ao uso de palavras. “Todas as fotografias — não só aquelas que são definidas como ‘documentais’— podem ser fortificadas pelo uso de palavras”. “Fortificar”, além de fortalecer, significa proteger, especialmente contra esforços para atacar a imagem.
Muitas de suas fotos aparecem cercadas de palavras, em revistas populares como Life e Look, e em livros. Lange também fazia anotações enquanto fotografava e, ao trabalhar com seu marido, o economista Paul Schuster Taylor, contribuiu com imagens para os relatórios governamentais sobre as condições sociais durante a Grande Depressão.
As imagens dela também inspiraram palavras alheias, como as do escritor John Steinbeck e do poeta Archibald MacLeish, que usou “Mãe Migrante” em um fototexto intitulado “Terra da Liberdade”, de 1938. A mesma imagem foi usada pelos nazistas para propaganda, em 1943, em uma referência zombeteira ao New Deal.
A diversidade de maneiras pelas quais aquela única foto foi usada e abusada ajuda a entender por que muitos fotógrafos relutam em usar palavras para definir imagens. Mas limitar-se à imagem não fixa sua verdade. Quando “Mãe Migrante” foi reproduzida em um boletim sobre a primeira exposição de fotografia do Museu de Arte Moderna de Nova York, em 1940, a imagem foi impressa com muito menos contraste, de modo que a mulher parecia não só branca, mas pálida, e os cabelos das duas crianças por trás dela eram quase loiros. Parece uma correção racial, e qualquer esperança de que a mulher fosse vista como indígena termina frustrada.
Outro aspecto fundamental é que pensar sobre fotografia sem palavras é essencialmente impossível, e ignorar o contexto mais amplo, centrado em palavras, de sua aparição limita sua riqueza.
A beleza de muitas das pessoas que serviram de tema a Lange, entre as quais Florence Owens Thompson, não é acidental. Ela começou sua carreira como retratista fotográfica, e tinha um senso intuitivo sobre o que torna um rosto impactante. Mas a beleza também cria uma faísca, um desejo de saber mais.
E, para Lange, a beleza era fundamental na fotografia. Pois, por mais que acatasse as palavras por seu poder fortificador, ela buscava compulsivamente imagens com poder puramente visual. Em uma das fotos mais perturbadoras da exposição, “Tractored Out, Childress County, Texas”, uma casa solitária, pouco mais que um casebre, surge abandonada em um campo cujos sulcos escavados por uma máquina consumiram toda a grama, todo o quintal, todos os sinais de humanidade que um dia podem ter enfeitado o local. É uma imagem devastadora do Dust Bowl, mas bela e perfeita em sua composição.
Muitos fotógrafos temeram que as palavras afastassem o observador da imagem, e esse medo é razoável. Lange compreendia que esse era exatamente o propósito. Uma grande foto deve conduzir quem a observa ao mundo.