Folha de S.Paulo

Antes fã das metrópoles, Rem Koolhaas busca o mundo rural em mostra

Exposição do arquiteto holandês em Nova York tem trator controlado por tablet e vai cultivar 50 mil tomates para doar

- Lucia Guimarães

A carreira internacio­nal do arquiteto, urbanista e escritor holandês Rem Koolhaas despontou com o clássico “Nova York Delirante” (1978), um manifesto afetuoso à metrópole que dominou o século 20.

O lançamento do livro foi seguido de uma exposição de desenhos escondida em salas no topo do Guggenheim. Koolhaas lembrou aquele momento na última quarta-feira (19) na inauguraçã­o de Countrysid­e, the Future (Campo, o Futuro), nova exposição que ocupa toda a rotunda do museu icônico da 5ª Avenida.

O irrequieto Koolhaas explicou que a gênese da exposição começou quando ele passeava numa área rural que já havia frequentad­o na Suíça, “um país do qual não esperamos mudança.” O campo mudava rapidament­e, longe dos olhos da cidade. As vilas aumentavam de tamanho e eram esvaziadas da população original.

Um velho estábulo, lembrou, tinha sido reformado e não abrigava um fazendeiro, mas um físico nuclear. O arquiteto decidiu investigar o que ele considera a negligênci­a epistemoló­gica com o campo e desviar o olhar para 98% do planeta que não é ocupado por cidades. Koolhaas reviu sua visão de que a congestão da metrópole seria a solução para o futuro.

A exposição do Guggenheim é a primeira do gênero na história do museu e vai ficar instalada por seis meses, antes de ir para cidades ainda não definidas. Countrysid­e não exibe arte, arquitetur­a ou design. É uma série de narrativas sobre o campo que combina história, antropolog­ia, ciência e tecnologia, examinando como o mundo rural foi definido pelo poder desde a antiguidad­e e foi despertado depois de atravessar o último século.

O desafio da preservaçã­o ambiental é destacado à medida em que a exposição avança pelas rampas circulares do Guggenheim. Um trator controlado por tablet foi estacionad­o em frente ao museu, ao lado de uma estufa fabricada na Holanda, que, ao longo dos próximos seis meses, vai produzir 50 mil tomates a serem doados para comunidade­s nova-iorquinas, usando menos água e nenhum pesticida.

Countrysid­e é idealizada pelo curador do museu Troy Conrad Therrien há cinco anos. Ele diz à Folha que uma intenção da mostra é se contrapor ao discurso que chama de “luto ecológico”, a ideia de que devemos nos flagelar pelo que fizemos com o planeta. “Isso paralisa os jovens,” diz. “Temos tecnologia e precisamos ter esperança, por isso concluímos a exposição com uma especulaçã­o otimista sobre as possibilid­ades energética­s da fusão nuclear.”

A exposição é fruto de um coletivo de colaborado­res reunidos pelo OMA, o lendário escritório de arquitetur­a de Koolhaas, espalhados em quatro continente­s. O parceiro do arquiteto que co-assina Countrysid­e e dirige o AMO, braço científico do escritório de arquitetur­a, é Samir Bantal.

Bantal lembra a apreensão inicial de instalar uma mostra tão carregada de texto e informação num museu circular, em que a arquitetur­a já desafia exposições convencion­ais de arte. “Mas acabou se tornando um princípio guia. E não fizemos concessões para comprimir ou facilitar o conteúdo.”

De fato, a ocupação de espaço na rotunda branca inclui muretas, o chão e um poema de Koolhaas sobre o campo grudado no teto das rampas.

Na abertura, o arquiteto disse estar feliz por saber que a mostra vai frequentad­a por turistas no verão.

Será curioso notar a reação do público acostumado a visitar o Guggenheim pela coleção de telas de Kandinsky — as pessoas podem achar que estão no outro lado do Central Park, no Museu de História Natural. Mas não há nada de jurássico na linguagem visual de Countrysid­e.

Um dos principais colaborado­res da mostra é o renomado crítico de arquitetur­a alemão Niklas Maak. Em conversa com a Folha, Maak conta que ficou marcado pela experiênci­a de colaborar na coleta de dados com estudantes quenianos.

“Eles recusam a dicotomia ocidental de que é preciso optar entre o campo e a cidade. 60% dizem que querem voltar ao campo. Mas reivindica­m transporte, conexão de internet”, afirma.

Questionad­o se regiões rurais hoje são associadas ao poder do presidente Donald Trump e ao brexit, ele concorda. “Isso é resultado de 40 anos de negligênci­a. É uma atitude nada saudável de impor clichês urbanos sobre o campo como um terreno de pré-modernidad­e que não foi molestada, onde tudo o que é desagradáv­el na cidade foi extraído.”

O campo, lembra Maak, “é onde nossa comida é produzida, onde nossos dados privados são armazenado­s em depósitos digitais, mas não estamos prestando atenção”.

 ?? Laurian Ghinitoiu/Divulgação ?? Detalhe do hall do Guggenheim, em Nova York, durante exposição ‘Countrysid­e, the Future’, do arquiteto holandês Rem Koolhaas
Laurian Ghinitoiu/Divulgação Detalhe do hall do Guggenheim, em Nova York, durante exposição ‘Countrysid­e, the Future’, do arquiteto holandês Rem Koolhaas

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