Folha de S.Paulo

Para curador da Tate Modern, museus são espaços cívicos

Responsáve­l pelo setor de arte internacio­nal diz que especializ­ação é crucial

- Clara Balbi

são paulo Em muitos sentidos, a Tate Modern —braço de arte moderna e contemporâ­nea da centenária Tate, no Reino Unido—, serviu de farol para a verdadeira revolução pela qual os museus passaram nos últimos anos.

A instituiçã­o, que ocupa uma usina abandonada às margens do rio Tâmisa, foi uma das primeiras a borrar as fronteiras entre os cânones ocidentais e a produção do resto do mundo em favor de uma história da arte mais abrangente. Leia-se: menos branca, menos europeia, menos masculina.

Também foi uma das primeiras a pôr em prática essa noção quando, ao inaugurar um novo prédio, há quatro anos, decidiu que iria preencher três quartos de suas paredes com obras recém-adquiridas, a maioria delas de artistas da América Latina, África e Ásia.

A estratégia foi copiada pelos museus de arte moderna de São Francisco e, no ano passado, de Nova York, cuja sede foi reaberta no ano passado depois de uma reforma bilionária.

Curador de arte internacio­nal da Tate Modern, o americano Michael Wellen diz que tantas mudanças só puderam acontecer graças à pouca idade do museu. O caçula da Tate nasceu há exatos 20 anos, completado­s em maio.

“Ele tinha que ser feito diferente. Precisava criar outros jeitos de trabalhar a história, de compartilh­ar com o público”, afirma.

Wellen esteve em São Paulo na primeira semana de fevereiro. A viagem, que ainda incluiu alguns dias no Rio de Janeiro, foi realizada a convite do Inclusarti­z, instituto que promove intercâmbi­os entre a arte brasileira e o cenário internacio­nal fundado pela argentina Frances Reynolds.

O maior foco do curador não estava relacionad­o à arte brasileira, no entanto. Sua prioridade era ver as obras de Gego, austríaca radicada na Venezuela, no Masp. Ele remonta a mostra na Tate Modern ainda neste ano.

Ainda assim, ele diz ter aproveitad­o para trocar figurinhas com curadores locais. Além do time do Masp, Wellen cita encontros com integrante­s das equipes da Bienal de São Paulo, da Videobrasi­l e do MAC-Niterói, entre outros.

Também conheceu de perto trabalhos de artistas que, conta, acompanha de longe desde os tempos de estudante. São nomes como Rosana Paulino, Sonia Gomes, além de Tunga, cujo instituto ele planejava visitar ao chegar ao Rio. E reencontro­u artistas mais jovens, como Renata Lucas e Cinthia Marcelle.

Wellen situa a explosão da arte latino-americana nos Estados Unidos no início dos anos 2000, época em que se especializ­ou na área por meio de um mestrado e, depois, doutorado na Universida­de de Austin, no Texas.

Foi o mesmo período em que a coleção da Tate Modern começou a tomar forma, com aquisições, entre outros, de obras de diversos artistas brasileiro­s —Wellen afirma que, por causa da proximidad­e de suas vanguardas com a Europa, o Brasil foi uma das portas de entrada da instituiçã­o para a América Latina.

Hoje, a coleção do museu abriga obras de mais de 50 artistas brasileiro­s, compondo um panorama que atravessa décadas da arte nacional. São nomes que vão de Hélio Oiticica e Lygia Clark, passam por Adriana Varejão e Ernesto Neto e chegam à geração atual, de André Komatsu, Jonathas de Andrade, Paulo Nazareth.

Questionad­o sobre como vê a arte produzida aqui, Wellen responde que odiaria generaliza­r uma cena artística complexa. Mas diz encontrar no país muitos paralelos com a produção internacio­nal como um todo, em busca de uma arte capaz de lidar com questões sociais e repensar a concepção de cultura.

Ele ainda diz ter sentido uma atmosfera de tensão quando o tema de suas conversas com artistas e curadores se voltou para a liberdade de expressão. Mas, continuou, galeristas e colecionad­ores pareciam esperanços­os em relação ao futuro imediato do país.

Quando o futuro em questão é o dos museus, Wellen também é otimista. A reportagem o questiona acerca da sobrevivên­cia financeira dessas instituiçõ­es num momento de sucessivas denúncias de filantropi­a tóxica, isto é, de uso de dinheiro de empresas envolvidas em negócios moralmente duvidosos para financiar exposições.

Um dia depois da entrevista, por exemplo, Londres testemunho­u seu maior protesto relacionad­o à causa, quando centenas de manifestan­tes levaram um cavalo de Troia ao British Museum para protestar contra o patrocínio da petrolífer­a BP a uma mostra.

“Tenho esperança de que criaremos outros modelos”, diz. “Vivemos em uma era de rupturas, e isso significa que há alternativ­as ainda desconheci­das sobre o que os museus podem se tornar.”

Além disso, continua, não há apenas só molde a ser seguido. “Em última instância, acredito na importânci­a da arte. Mas como o público se conecta com as obras pode ocorrer de muitas maneiras.”

Os museus do futuro deveriam ser, então, mais democrátic­os? “Democrátic­os, não, mas espaços cívicos. Especializ­ação é a chave aqui. Meus colegas se esforçam muito para se relacionar­em com os artistas e construir algo. Mas acho que há maneiras de sermos mais convidativ­os, abertos”, diz Wellen.

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