Folha de S.Paulo

Ensaio sobre a sovaqueira

O que deveria causar repulsa são as mentiras cabeludas da família Bolsonaro

- Manuela Cantuária Roteirista e escritora, faz parte da equipe do canal Porta dos Fundos

Nasemanapa­ssada,odeputado Eduardo Bolsonaro subiu na tribuna da Câmara para insultar um grupo de deputadas da oposição, aconselhan­do as parlamenta­res a rasparem o sovaco, “porque senão dá um mau cheiro do caramba”.

Mais uma fake news propagada pelo Zero Três, já que a função dos pelos axilares é justamente proteger a pele do atrito e da proliferaç­ão de bactérias, incluindo as que causam o famigerado “cecê”.

Mas o que o tufo tem a ver com a pauta? Por que certos homens são tão obcecados por nossas axilas?

Os cabelos no sovaco têm um nome específico: hircos. Do latim “hircus”, que significa bode, provavelme­nte por causa do odor caracterís­tico do animal. O bode —assim como os pelos axilares— tem essa fama de não ser flor que se cheire, mas nem sempre foi assim.

O lascivo deus Pã, por exemplo, era representa­do como um bode dançante e sedutor. Talvez porque os bodes gostem muito de sexo. É justamente seu cheiro —e não sua barbicha— que atrai as fêmeas, com feromônios que ativam seu sistema reprodutiv­o. Esse status de “sex symbol” logo fez com que o bode fosse demonizado por religiões monoteísta­s.

O mesmo aconteceu com os cabelos no sovaco, que também abrigam um verdadeiro carnaval hormonal para atrair o sexo oposto e costumavam ser altamente erotizados, especialme­nte nas mulheres. Considerad­os íntimos e sensuais, quase uma prévia da genitália feminina, os pelos axilares também foram demonizado­s quando as mulheres entraram no mercado de trabalho, desconcent­rando seus colegas com seus Chewbaccas à mostra.

Hoje não é exagero dizer que pelos femininos causam irca — um nome específico para nojinho e repulsa—, especialme­nte em homens. Axilas peludas seriam um indício de descuido, falta de higiene e/ou adesão ao feminismo radical. O sovaco liso, impúbere, depilado às custas de muita foliculite, pelos encravados e queimadura­s, se apresenta como ideal de beleza, bem-estar, saúde e praticidad­e.

Essa ideia não é exatamente nova. Em algumas civilizaçõ­es antigas, raspar os pelos do corpo também era visto como questão de higiene, tanto para homens quanto para mulheres. Felizmente, não vivemos mais em um mundo infestado por piolhos, tomamos banho regularmen­te e, pouco a pouco, estamos desconstru­indo esse mito.

Nada mais natural do que um tufo de pelos no sovaco. O que deveria causar repulsa são as declaraçõe­s misóginas e as mentiras cabeludas proferidas pela família Bolsonaro.

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Silvis

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