Folha de S.Paulo

Bruno Boghossian

- Bruno Boghossian roberto.dias@grupofolha.com.br

Desordem sempre foi seu campo político

brasília No fim dos anos 1980, Jair Bolsonaro se lançou candidato a vereador após ser absolvido da acusação de planejar atentados a bomba em quartéis, num julgamento controvers­o. Mais de três décadas depois, ele decidiu usar outro tipo de terrorismo como estratégia política.

Ao ignorar recomendaç­ões de especialis­tas por medidas de distanciam­ento contra o coronavíru­s, o presidente afirmou que o caos reinará se a economia não voltar logo ao normal. Nesta quarta (25), ele disse que o governo não terá como pagar funcionári­os públicos, supermerca­dos serão saqueados e o país corre risco de uma ruptura democrátic­a.

“Se nós não acordarmos para a realidade, daqui a poucos dias poderá ser tarde demais”, declarou.

Por semanas, o presidente ancorou uma campanha de negação dos riscos do coronavíru­s, criticando o que chamava de pânico e histeria. Agora, ele agiu rápido para instrument­alizar o desespero a seu favor.

Bolsonaro só consegue enxergar a ruína de um dos lados dessa crise.

Ele continua minimizand­o as chances de contaminaç­ão em massa e do colapso de sistemas de saúde. Reconhece apenas a ameaça de desmoronam­ento econômico, em nome de ganhos políticos individuai­s.

A falsa cegueira cumpre duas funções. O presidente já conseguiu empurrar para os governador­es parte do ônus da inevitável desacelera­ção provocada pela restrição à circulação de pessoas. O discurso, além disso, deixa a porta aberta para uma postura ainda mais radical e para a adoção de medidas de exceção.

A desordem sempre foi o campo político de Bolsonaro. A ameaça de agitação e devastação é sua ferramenta favorita para intimidar adversário­s e desmerecer seus críticos.

A agonia econômica é um perigo real, mas o presidente não oferece nenhuma saída concreta. Não explica como o governo vai preservar a saúde de quem voltar ao trabalho e propõe uma retomada sem qualquer planejamen­to, depois desmentida pelo próprio vice-presidente. Bolsonaro só quer deixar o medo no ar.

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