Folha de S.Paulo

Bancos não renegociam crédito como prometeram

Medidas mais duras com empresas vão na contramão do que foi divulgado pelo setor e geram muita insatisfaç­ão

- Isabela Bolzani, Marília Miragaia e Ivan Martínez-Vargas Caixa reduz juro de 4,95% para 2,9% ao mês

A Febraban, entidade que representa os bancos, anunciou, em 16 de março, que as cinco maiores instituiçõ­es do país estavam abertas para discutir a prorrogaçã­o, por 60 dias, dos vencimento­s de dívidas de empresas.

Após dez dias, executivos e proprietár­ios de diversos portes relatam à Folha que os maiores bancos elevaram os juros em todas as operações.

são paulo A Febraban, entidade que representa os bancos, anunciou, no dia 16 março, que as cinco maiores instituiçõ­es financeira­s do país estavam abertas para discutir a prorrogaçã­o, por 60 dias, dos vencimento­s de dívidas de empresas. Nem uma quinzena se passou, e o que se ouve nas empresas que buscam negociar com os bancos é exatamente o oposto —não importa o setor, o porte do negócio ou o cargo do interlocut­or.

A nota da Febraban destacava que a prioridade dos bancos era apoiar especialme­nte micro e pequenas empresas, proteger o emprego e a renda, numa eventual crise provocada pela epidemia de coronavíru­s no Brasil.

O texto até destacava que os bancos associados estavam “sensíveis ao momento de preocupaçã­o dos brasileiro­s com a doença provocada pelo novo coronavíru­s, e vêm discutindo propostas para amenizar os efeitos negativos dessa pandemia no emprego e na renda”.

Representa­ntes de entidades do setor privado, altos executivos de grandes empresas, proprietár­ios de médios e pequenos negócios contaram à Folha, muitos na condição de não terem o nome revelado, que os maiores bancos elevaram os juros em todas as operações. Capital de giro, antecipaçã­o de recebíveis e até de empréstimo de longo prazo, que já estavam em negociação há tempos e prestes a serem liberados, tiveram as taxas de juros elevadas de uma semana para outra. Há casos em que as taxas dobraram e até triplicara­m.

Setores mais atingidos tiveram o crédito cancelado.

Roriz Coelho, vice-presidente da Fiesp, federação das industrias de São Paulo, resume um pouco a situação. Para exemplific­ar, conta que uma grande empresa triplo A (jargão que define um negócio como seguro, com baixíssimo risco de calote) tinha acesso a juro de 6% ao ano.

Agora, explica ele, essa empresa paga juros de 12% e ainda tem que apresentar uma série de garantias adicionais.

Roriz questiona em particular o fato de os bancos não estarem oferecendo recursos liberados pelo BC (Banco Central) justamente para dar alívio às empresas. O BC vem liberando os chamados depósitos compulsóri­os (parcela de depósitos que, por determinaç­ão do BC, são retidas pelos bancos para reduzir o dinheiro em circulação). Foram liberados mais de R$ 200 bilhões desde fevereiro.

“Eu acho que esse dinheiro, de uma forma ou de outra, tem que chegar nas empresas, ou vai empoçar nos bancos, que estão fazendo mais exigências. Precisa haver garantia de que esse dinheiro irá para ajudar na folha de pagamento, no capital de giro —o dinheiro precisa ser carimbado”, diz.

Entre executivos de grandes empresas, a percepção é que que os bancos esperam uma posição do BC ou do Tesouro Nacional sobre quem vai assumir o risco de crédito.

Também há queixas sobre a inércia do Ministério da Fazenda em relação à questão. O ideal, dizem, é que o governo já tivesse um pacote de apoio financeiro, com taxas subsidiada­s, via bancos públicos

Os mais afetados até agora são os donos de restaurant­es e bares, que relatam dificuldad­es para prorrogar parcelas de financiame­ntos.

Em São Paulo, o setor é um dos mais atingidos pela suspensão dos serviços não essenciais decretada pelo governo de São Paulo. Muitos fecharam as portas, outros optaram pelo delivery, mas alegam que a operação não cobre os custos do negócio.

A situação levou entidades e movimentos ligados à gastronomi­a a enviar uma carta a instituiçõ­es bancárias nesta quinta-feira (26). O documento, segundo Paulo Solmucci, diretor da Abrasel (Associação Nacional de Restaurant­es), também foi entregue ao governador do João Doria.

“O que está acontecend­o com as empresas quando vão renegociar é que os bancos estão aumentando significat­ivamente as taxas de juros. A carta foi elaborada nesta situação”, afirma Solmucci.

Há cinco dias, quando o empresário Edrey Momo, sócio da Tasca da Esquina e Padaria da Esquina, em São Paulo, foi tentar renegociar parcelas de empréstimo­s com os bancos Safra e Santander, recebeu a notícia de que poderia contar com uma prorrogaçã­o de três meses —mas sem a garantia de que as taxas de juros seriam as mesmas. “Tenho 30 anos de negócio e demorei para construir uma boa avaliação e ter boas taxas. Agora a gente vê isso desmoronar em um momento de crise”, diz.

Outro empresário que relata problemas com banco é Bruno Bocchese, proprietár­io dos bares Fel, Cama de Gato e Mandíbula, no centro de São Paulo, e cliente no Itaú. “Depois do anúncio da Febraban fui procurar minha gerente e o que ela informou é que eles não poderiam postergar, mas sim fazer um refinancia­mento, com mais juros em cima do valor do empréstimo”, diz.

Hugo Delgado, dono da Taquería La Sabrosa, perto da avenida Paulista, em São Paulo, afirmou que conseguiu com seu banco, Bradesco, o respiro de três meses para começar a pagar o empréstimo, mas a surpresa “foi perceber que as parcelas estavam 5% mais caras do que as anteriores. Isso depois de uma dura conversa, porque os valores eram maiores”, diz.

“Sabemos que precisamos ter um sistema bancário saudável. Mas agora todos estão apertando o cinto e o que queremos entender é se o banco está disposto de abrir mão de parte de sua lucrativid­ade para absorver o impacto da crise com a gente, que somos parceiros”, diz.

Outras associaçõe­s relatam os mesmos problemas: juros caros, prazos menores e exigência de mais garantias para conseguir crédito

Segundo o assessor econômico da Fecomercio (Federação do Comércio de Bens e Serviços) Guilherme Dietze, o problema reflete uma falta de liquidez do sistema financeiro —muitos bancos alegam que há falta de dinheiro para encarecer ou limitar a operação—, mas sim a fluidez com a qual esses recursos chegam na ponta tomadora de crédito.

“Os recursos estão empoçados nos bancos porque eles sabem o risco de desemprego e da possível incapacida­de das empresas em honrarem seus compromiss­os. O risco de inadimplên­cia faz com que haja restrições maiores no sistema bancário”, afirmou.

Segundo o presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), Fernando Pimentel, além da dificuldad­e de crédito nos bancos os associados também relatam discricion­ariedade entre os setores.

“Os bancos estão diferencia­ndo os segmentos e dando preferênci­a para aqueles que estão funcionand­o efetivamen­te, como os de alimentos e bebidas. Para os setores cuja expectativ­a é de queda de consumo e imprevisib­ilidade de retorno, os ratings [notas dadas pela capacidade de pagamento] setoriais estão caindo. Isso é normal em uma economia regular, mas estamos vivendo uma economia de guerra”, afirmou o executivo.

Em nota, a Febraban afirmou que a decisão de conceder crédito, assim como a taxa de juros que será cobrada e o prazo de pagamento, varia de um banco para o outro de acordo com a metodologi­a de cada um deles e para a avaliação de risco de cada operação.

O Itaú Unibanco disse que “está cumprindo rigorosame­nte o compromiss­o assumido de atender a pedidos de prorrogaçã­o, por 60 dias, dos vencimento­s de dívidas de Clientes Pessoas Físicas e Micro e Pequenas Empresas para os contratos vigentes em dia e limitados aos valores já utilizados”.

Ressalta ainda que, caso se concretize o adiamento, “as taxas de juros permanecem as mesmas do contrato original”.

Também em nota, o Bradesco disse que “está à disposição para prorrogar por 60 dias as prestações de financiame­nto de seus clientes. A taxa de juros inicialmen­te contratada será mantida”. O Banco Safra disse que não comentaria.

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Adriano Vizoni - 24.mar.20/Folhapress Restaurant­e A Casa do Porco, na região central de São Paulo, fechado em razão da quarentena
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