Folha de S.Paulo

A perda da regente

Maestrina Naomi Munakata morre aos 64, vítima da Covid-19

- Irineu Franco Perpetuo

No cenário de profission­alização recente do canto coral no Brasil, Naomi Munakata foi um nome decisivo e transformo­u o Coro da Osesp em paradigma nacional de excelência.

A regente morreu nesta quinta-feira, aos 64 anos. Ela estava internada desde o dia 16 de março, em São Paulo, e, no último dia 19, seu teste para a Covid-19 deu positivo.

Vale lembrar que, quando John Neschling assumiu a Osesp, em 1997, a então Secretaria de Estado da Cultura não sabia muito bem o que fazer com o Coral Sinfônico do Estado de São Paulo, criado em 1994 e visto como grande e ineficient­e. Havia propostas de reduzir o efetivo, de 68 para 48 cantores, que, por sua vez, seriam divididos em dois coros de 24 integrante­s.

Liderados por Munakata, que dirigia o coro desde 1995, os cantores protestara­m. Neschling estava no começo da reformulaç­ão que faria da orquestra um exemplo e deixou clara a necessidad­e de um grande coro para ser parceiro de uma grande sinfônica.

Assim, fez do grupo —que, em 2001, seria rebatizado de Coro da Osesp— seu aliado e parceiro das grandes apresentaç­ões que marcariam época na Sala São Paulo —a começar pela própria inauguraçã­o do espaço, com a “Sinfonia nº. 2”, de Mahler, em 1999.

Se a tradição coral brasileira vinha fortemente ancorada em cantores que pareciam solistas de ópera frustrados, berrando para serem mais ouvidos do que os colegas, vivendo de outros empregos e com formação musical escassa, a partir de então se fizeram necessária­s vozes que soubessem subordinar seus egos aos objetivos do grupo e conseguiss­em cantar em outras línguas além das latinas.

A solidez no solfejo e na leitura de partituras também se tornou fundamenta­l e possibilit­ou que o grupo enfrentass­e obras complexas dos séculos 20 e 21 —como, por exemplo, as criações do polonês Krzysztof Penderecki.

Sob a direção de Munakata, o Coro da Osesp participou de algumas das mais convincent­es gravações da orquestra —caso da série completa dos “Choros”, de Villa-Lobos, para o selo escandinav­o Bis, laureada na França com o prêmio Diapason d’Or. Ou o mais recente registro integral das sinfonias do mesmo compositor, para a gravadora Naxos.

Nesses discos, mostrou-se a diferença que faz um grupo que consiga cantar música brasileira com um português idiomático, apresentan­do as inflexões de nossa língua sem, ao mesmo tempo, transigir em questões como afinação e precisão rítmica.

Essas caracterís­ticas se fazem notar também nos álbuns que, sem orquestra, o coro gravou sob sua regência em 2009 e 2013, trazendo peças de nomes como Aylton Escobar, Camargo Guarnieri e Marlos Nobre, entre outros.

O compromiss­o com as apresentaç­ões com a orquestra não fez Munakata descuidar do repertório solo do coro. Versátil, ela interpreta­va as partituras renascenti­stas e barrocas com o mesmo empenho com que se dedicava às obras românticas e modernas que compunham a base dos concertos com a Osesp.

Em 2007, a maestrina regeu o coro da Sinfônica na missa de sétimo dia pela morte do empresário Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha.

Mesmo com um currículo tão respeitáve­l, ela foi demitida da Osesp em 2015.

No ano seguinte, seu talento seria resgatado por Neschling, que, à frente do Theatro Municipal de São Paulo, chamou Munakata para dirigir o Coral Paulistano. A maestrina foi ainda diretora da Escola Municipal de Música e professora universitá­ria, empenhando-se em uma atividade docente que é a garantia da continuida­de de seu legado.

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Reprodução/Facebook A regente Naomi Munakata em foto sem data

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