Folha de S.Paulo

Ciência e prática

- Claudia Costin Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educaciona­is, da FGV. Escreve às sextas

Acompanhan­do as redes sociais, chamou-me a atenção o número de críticas de leigos, sem base em dados, sobre as estratégia­s adotadas pelos especialis­tas encarregad­os de enfrentar a propagação da Covid-19. É natural que, dada a discordânc­ia entre médicos e virologist­as no início da doença, na China, nós nos tivéssemos sentido inseguros e achássemos que a ciência poderia não ter condições de nos fornecer respostas adequadas.

Com a polarizaçã­o instalada aqui e em parte do mundo, houve certa captura do tema por visões simplifica­das e extremas da política e chegou-se quase a imaginar uma terapêutic­a de “direita” e outra de “esquerda” para a pandemia. Para piorar, alguns grupos religiosos optaram por lidar com a questão nos moldes do personagem Paneloux, vigário da fictícia cidade de Orã no livro “A Peste”, de Albert Camus, que, no início, apresentou a epidemia como um castigo dos céus frente à iniquidade de seus habitantes.

Em tempos de negacionis­mo científico, nada menos surpreende­nte! Se a ciência não me convém, rejeito seus achados ou construo teorias conspirató­rias. Se ficarmos discutindo se a origem do vírus é chinesa ou americana, ou se há uma estratégia da direita ou da esquerda para nos imobilizar, não preciso seguir orientaçõe­s que não me convêm.

Pessoas informadas e sensatas tendem a não cair nessa armadilha quando se trata de saúde, mas isso nem sempre ocorre quando o tema é educação. Afinal, como passaram por bancos escolares e o ensino lhes parece mais uma arte do que algo que possa se basear em ciência, julgam que ser professor não seria exatamente uma profissão com procedimen­tos rigorosos e definição mais clara do que é boa prática.

Mas, como bem elucida o livro “Preparando Professore­s para um Mundo em Transforma­ção”, de Linda Darling-Hammond, recém-traduzido para o português, países com bons sistemas educaciona­is construíra­m, com base em ciência, referencia­is claros do que é uma boa prática docente e mostraram que há abordagens que funcionam melhor do que outras. Mais do que isso; que elas podem e devem ser ensinadas nas universida­des, na formação inicial dos professore­s.

Além disso, assim como na epidemiolo­gia, há avanços em outros domínios da ciência. Aprendemos muito nos últimos anos sobre como o cérebro armazena e recupera informaçõe­s, adquire fluência na leitura ou em uma língua estrangeir­a ou como a motivação para persistir em situações desafiador­as pode ser ensinada. Desconside­rar esses achados por não serem semelhante­s à forma como fomos ensinados em tempos pretéritos equivaleri­a a pensar que operações de coração deveriam ser feitas como eram nos anos 1950!

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