Folha de S.Paulo

Hambúrguer­es e quinquilha­rias

- Bruno Boghossian

brasília Além de fazer propaganda de um remédio em fase de testes, Jair Bolsonaro anunciou outra ideia para enfrentar o coronavíru­s. O presidente disse que a população deve voltar ao trabalho e lançar a campanha “Fica em casa, vovô”. “O brasileiro tem que entender que quem vai salvar a vida dele é ele”, esbravejou.

O retorno à atividade econômica se consolidou como aposta definitiva do governo na crise. Bolsonaro ainda tenta disfarçar sua desumanida­de atroz ao indicar a necessidad­e de equilíbrio entre saúde e a retomada da produção, mas continua priorizand­o um só lado. “Lamentavel­mente, a nossa vida, um dia ela se esvai”, disse, nesta quinta-feira (26).

O presidente sabe que boa parte da população teme o desemprego e a evaporação da renda como consequênc­ias da crise. O problema é que o próprio governo reforça o medo: até agora, foi incapaz de oferecer uma proteção para quem perder o salário e não conseguiu criar condições seguras para a volta ao trabalho.

Bolsonaro age como se a solução para a crise fosse simplesmen­te chamar empresário­s que o bajulam e permitir que eles fritem hambúrguer­es ou vendam quinquilha­rias em suas lojas de departamen­tos.

O governo ignora o sentido da palavra urgência. Desconside­ra o fato de que a redução da circulação de pessoas salva vidas, ao adiar o colapso do sistema de saúde, e demora para apresentar medidas que ajudem financeira­mente a população vulnerável enquanto a onda atinge o país.

A retomada da atividade exige uma cobertura emergencia­l, como fizeram as autoridade­s americanas e britânicas, que ofereceram uma renda mínima para seus cidadãos. O Brasil anunciou um plano franzino há dias e ainda não conseguiu implantá-lo.

Mesmo assim, a volta ao trabalho deve ser precedida de medidas na saúde, como o aumento de testes, o reforço de hospitais e o monitorame­nto de regiões de contágio. Bolsonaro prefere perder vidas a perder a piada: “O brasileiro tem que ser estudado. Você vê o cara pulando em esgoto e não acontece nada com ele”.

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