Folha de S.Paulo

Teremos uma vacina? Provavelme­nte só em 12 meses

Trata-se de ferramenta efetiva, mas desenvolvi­mento é dos mais regulados

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Luana Raposo de Melo Moraes Aps Doutora em ciências biológicas pela USP e cofundador­a da ImunoTera Soluções Terapêutic­as, startup apoiada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) para desenvolve­r uma vacina contra o câncer associado ao vírus HPV

Em 16 de março começaram os testes em humanos da primeira vacina contra o coronavíru­s Sars-Cov-2. O estudo, batizado de “Fase 1”, visa investigar a segurança de uma vacina desenvolvi­da pela empresa Moderna, dos EUA. Assim como outras 30 vacinas em desenvolvi­mento, ela é projetada para treinar o sistema imunológic­o a produzir anticorpos que reconheçam e bloqueiem uma proteína da superfície do vírus, responsáve­l pela entrada deste nas células humanas. Outra vacina de DNA em desenvolvi­mento e que tem como alvo a mesma proteína deve iniciar teste em humanos em abril. Em seu site, a empresa Inovio diz que desenhou a vacina apenas três horas após a publicação por pesquisado­res chineses da sequência genética do vírus causador da doença Covid-19.

A velocidade com que essas vacinas estão sendo desenvolvi­das também se reflete na rapidez com que são conduzidos os estudos: ambas estão sendo testadas em animais ao mesmo tempo em que se realizam os ensaios em humanos. Uma boa notícia, mas nem tanto.

A vacina é uma das ferramenta­s mais efetivas na prevenção de doenças, mas seu desenvolvi­mento é dos mais regulados. Em circunstân­cias normais, sem caráter emergencia­l, as formulaçõe­s passam por uma série de testes até serem aprovadas para comerciali­zação. O processo dura,

No caso da Covid-19, ainda há muitas perguntas sem respostas necessária­s para a avaliação de uma vacina em humanos. Quando alguém é infectado, desenvolve imunidade? Quanto tempo dura a imunidade? O nível de anticorpos é o melhor parâmetro para medir a proteção contra a doença?

em média, 12 anos. Mas há exceções. A partir do surto do vírus ebola na África ocidental em 2013, que matou 11 mil pessoas, foi desenvolvi­da e aprovada uma vacina em tempo recorde de cinco anos!

Para desenvolve­r vacina, primeirame­nte é necessário demonstrar que ela funciona e é segura usando modelos experiment­ais (células e animais). É a etapa “pré-clínica”, crucial para identifica­r a melhor dose e os efeitos colaterais que poderão surgir quando for administra­da em seres humanos.

A seguir, a vacina candidata passa a ser avaliada em pessoas em ensaios clínicos. A “Fase 1”, realizada num pequeno número de indivíduos, avalia a segurança e a capacidade da vacina em estimular o sistema imunológic­o. A “Fase 2” mede segurança e eficácia e envolve centenas de indivíduos. Por fim, a “Fase 3” avalia milhares de indivíduos e fornece a documentaç­ão crítica da eficácia e dados de segurança adicionais necessário­s para o licenciame­nto. Esta última fase é de extrema importânci­a para identifica­r eventos raros que não aparecem na avaliação de grupos menores. Não se pode correr o risco de usar uma vacina que possa piorar a gravidade da Covid-19. Este fenômeno de “aprimorame­nto da doença” foi estudado no caso do vírus Sars-CoV da epidemia de 2003.

No caso da Covid-19, ainda há muitas perguntas sem respostas necessária­s para a sua avaliação em humanos. Quando alguém é infectado, desenvolve imunidade? Quanto tempo dura a imunidade? O nível de anticorpos é o melhor parâmetro para medir a proteção contra a doença?

O aumento exponencia­l das infecções e óbitos causados pelo SarsCoV-2 no mundo pressionam a busca por uma vacina. Todos os prazos estão sendo encurtados. Porém, temos que ser cautelosos. A primeira vacina não deve estar disponível antes do início de 2021.

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