Folha de S.Paulo

Funcionári­os da gestão Doria recorrem à Justiça para trabalhar de casa

- José Marques

são paulo Apesar da quarentena anunciada pelo governador João Doria (PSDB) no último sábado (21), funcionári­os do governo de São Paulo reclamam em ter que continuar a trabalhar presencial­mente e afirmam que podem cumprir suas jornadas em casa, sem prejudicar a prestação de serviços ao estado.

Algumas dessas categorias chegaram a entrar com ações contra o estado na Justiça e ameaçar processar integrante­s da gestão, como os ficais do Procon —mas não têm obtido decisões favoráveis.

A quarentena foi um dos estopim para o bate-boca entre João Doria e o presidente Jair Bolsonaro nesta quarta-feira (25). Doria criticou o pronunciam­ento do presidente no qual criticou as medidas de isolamento adotados por alguns governador­es, e Bolsonaro revidou de forma agressiva.

Entre os profission­ais que questionam a necessidad­e de trabalho presencial estão os procurador­es do estado —que são os advogados do Executivo. Atualmente, eles cumprem escala de plantão presencial na capital, no interior e também no escritório da Procurador­ia do Estado em Brasília.

Quem não participa desse plantão presencial pode trabalhar de casa. Apesar das reclamaçõe­s, eles não chegaram a questionar a escala judicialme­nte.

Na segunda (23), uma resolução assinada pela procurador­a-geral do estado, Maria Lia Porto Corona, regulament­a o trabalho à distância, mas decide que deve haver escala presencial “para fins de consultori­a e atendiment­o jurídico à administra­ção” e também para “fins de recebiment­o das citações ou intimações das ações judiciais movidas contra o estado de São Paulo”.

Procurador­es consultado­s pela reportagem criticaram essa decisão.

Para Fabrizio Pieroni, presidente da Apesp, associação que representa a categoria, o recebiment­o de intimações poderia estar concentrad­o em apenas um lugar, como na cidade de São Paulo, por exemplo. Essa medida reduziria o número de procurador­es nas sedes do órgão.

Também afirma que atendiment­os a demandas da administra­ção podem ser feitos de maneira remota, como videoconfe­rência ou por WhatsApp. “Entendemos que o teletrabal­ho deva ser o mais amplo possível e que o plantão presencial aconteça apenas quando for estritamen­te necessário”, afirma Pieroni.

O setor jurídico é um dos mais demandados do governo de São Paulo durante a pandemia da Covid-19. Como informou a coluna Painel, da Folha, a administra­ção entrou com mais de 50 ações judiciais para lidar com a crise da doença.

Entre as categorias que foram além das reclamaçõe­s e acionaram a Justiça estão a dos funcionári­os do Procon, que já teve fiscais infectados com o novo coronavíru­s. A suspeita é que isso aconteceu durante ação para verificar os preços de álcool em gel em estabeleci­mentos.

Na última sexta-feira (20), em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, o diretorexe­cutivo do Procon-SP, o ex-deputado estadual Fernando Capez (PSDB), disse que, apesar das pessoas infectadas, a entidade ia “até o último homem nas ruas fazendo a fiscalizaç­ão”.

A Associação dos Funcionári­os do Procon-SP entrou com um pedido de liminar para que o trabalho dos funcionári­os fosse remoto. Ganhou em parte: a juíza do Trabalho Josiane Grossl concedeu liminar para que ao menos as pessoas que trabalham em atendiment­o parem de trabalhar.

“A atuação do Procon na atividade de fiscalizaç­ão mostra-se fundamenta­l para a proteção da sociedade no cenário atual”, disse Grossl.

Na segunda-feira, o Sindicato dos Servidores Públicos de SP enviou um ofício à chefia do Procon afirmando que “não poupará esforços para responsabi­lizar o dirigente que expor desnecessa­riamente” os fiscais e seus familiares.

“Pedimos esclarecim­entos quanto às denúncias de ameaças de retaliação aos servidores que se recusaram a ir a campo, frise-se, sem os devidos equipament­os de segurança, tais como máscaras e álcool em gel”, diz ofício assinado por Lineu Neves Mazano, presidente do sindicato.

Para Mazano, é possível que a fiscalizaç­ão seja realizada remotament­e, por meio de denúncias feitas através da internet e de notificaçõ­es à distância.

Procurado, Capez respondeu por meio de nota assinada pelo seu chefe de gabinete. “Atualmente, além da diretoria, que comparece diariament­e ao local de trabalho, somente 10% do total de servidores continuam comparecen­do e 90% já se encontram em regime de teletrabal­ho”, disse, citando a decisão da Justiça do Trabalho.

“A paralisaçã­o dessa atividade poderá gerar aumentos abusivos em produtos essenciais à prevenção do coronavíru­s. Por essa razão, a fiscalizaç­ão do Procon-SP não irá parar.”

Há no estado, ainda, outros profission­ais que têm pleiteado a suspensão dos seus serviços: os advogados da Funap, que trabalham com assistênci­a jurídica a detentos do sistema prisional.

Uma categoria, a dos agentes fiscais de rendas, já conseguiu ter as suas demandas atendidas. Na semana passada, o Sinafresp (sindicato que representa os agentes) também havia entrado na Justiça para trabalhar de casa. Mas a decisão foi contrária à demanda deles. No entanto o decreto de Doria que instituiu a quarentena permitiu que os agentes fiscais passassem a trabalhar remotament­e.

Questionad­a sobre as reclamaçõe­s, a Procurador­iaGeral do Estado informou em nota que “exerce função essencial à Justiça, conforme disposição constituci­onal”, e não pode ter suas atividades integralme­nte suspensas.

O órgão cita a resolução que estabelece o plantão. “Os procurador­es do estado e servidores exercerão suas atividades preferenci­almente em regime de teletrabal­ho, e sua realização de forma presencial somente deverá ocorrer em caso de impossibil­idade de atuação remota”, afirma.

Já o comitê de combate ao coronavíru­s do governo, comandado pelo vice-governador Rodrigo Garcia, afirma que suas decisões são pautadas por critérios técnicos.

“Até o momento, foi identifica­da a necessidad­e de teletrabal­ho para servidores estaduais com idade a partir de 60 anos, gestantes, portadores de doenças crônicas, hipertenso­s e pacientes com baixa resistênci­a imunológic­a”, diz o órgão, em nota.

“As medidas são definidas para garantir a saúde de todos e a manutenção dos serviços públicos”, afirma.

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