Wilson Witzel Ministro confunde, e Bolsonaro tem de ir à TV desfazer o que fez
Governador do Rio de Janeiro afirma que presidente incide em desvio de finalidade se não recuar de fala sobre coronavírus
“A economia não pode estar em primeiro lugar. Agora é preservar vidas. Ou o ministro age ou os estados mais afetados vão agir e vão para o Supremo
rio de janeiro O governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), afirma que a fala de Jair Bolsonaro sobre coronavírus em pronunciamento nacional foi “um desastre” e que caberia ao presidente agora voltar à TV para “desfazer o que fez naquela noite, sob pena de continuar incidindo em desvio de finalidade”.
Com ataques à mídia e aos governadores, Bolsonaro defendeu, na terça (24), abrandar as medidas de isolamento social e a volta à normalidade.
Eleito na onda bolsonarista, Witzel também se diz estarrecido com a mudança do discurso do ministro Luiz Henrique Mandetta, hoje mais alinhado ao de Bolsonaro.
“Quem não pode mudar de opinião e virar Regina Duarte é o ministro da saúde. Não pode dar uma opinião, como a da secretária da Cultura, de que isso vai acabar com a área cultural do país e que o remédio está sendo amargo demais.”
Para ele, Bolsonaro “vai ser obrigado” a tomar providências para a recuperação econômica de empresas —ou por iniciativa própria ou por possível ação judicial.
* O sr. acaba de admitir a possibilidade de suspensão do isolamento doméstico em 4 de abril caso não haja sinal de suporte financeiro do governo federal. É um ultimato?
O que me fez ficar extremamente estarrecido foi ver de manhã [antes da ameaça] que o ministro Mandetta entendeu que a quarentena foi precipitada, desarrumada, alinhando seu discurso com o do presidente. Não é o que a OMS [Organização Mundial de Saúde] determina, não é o que meu secretário de Saúde e os especialistas em pandemia determinam.
A autoridade máxima é o ministro da Saúde. Ele não pode politizar seu trabalho. O problema da economia quem resolve é o ministro da Economia e o presidente.
Mandetta acusou governadores de uso político da crise. Acredita que se referia também ao sr., já que é um potencial candidato à Presidência e já manifestou esse desejo?
Adotei medidas que me foram recomendadas pelo Ministério da Saúde, pela OMS e pelo meu secretário. A questão econômica, sabíamos que ia chegar. O que se espera do governo: além de dar as medidas sanitárias, ele precisa resolver os problemas da economia.
Que argumento o sr. usaria para convencer alguém que, como o presidente, critica o isolamento domiciliar por suas consequências econômicas?
Não vamos suspender isolamento. Se o ministro da Economia não tomar as providências que devem ser tomadas por iniciativa deles, vamos buscar outras ações. A economia não pode estar em primeiro lugar. Agora é preservar vidas. Ou o ministro age ou os estados mais afetados vão agir e vão para o Supremo.
Como?
O Ministério Público enviou hoje uma recomendação ao presidente dizendo que o ato dele de se manifestar contrário à OMS foi um desvio de finalidade, que gera improbidade administrativa. Caberia ao presidente ir à TV agora desfazer o que fez, sob pena de continuar incidindo em desvio de finalidade.
Ele precisa agora chamar o ministro da Economia, se é que já não está fazendo, para fazer o plano econômico para recuperação das empresas. Ou ele vai fazer por vontade própria ou fará por determinação do STF, porque nós vamos ao Supremo. O presidente e o ministro da Saúde precisam ter consciência de que a hora não é de politizar.
O sr. diz que o presidente pode falar o que quiser. Mas ele fez críticas abertas ao sr., que estaria
agindo como se o Rio fosse um país. Por que o sr. adotou medidas que invadem a competência da União, como no caso das estradas?
Meus atos não foram questionados pelo Ministério Público ou quem quer que seja. Temos que agir com dados técnicos e quem foge disso responde pelos seus atos.
Quem não pode mudar de opinião e virar Regina Duarte é o ministro da Saúde, Mandetta. Não pode dar uma opinião, como a da secretária da Cultura, de que isso vai acabar com a área cultural do país e que o remédio está sendo amargo demais. A opinião pouco importa no que diz respeito às nossas atitudes na área da saúde. A dele é que não pode mudar.
A opinião do presidente para mim foi um desastre. Mas o ministro da Saúde é que me orienta. Se o presidente colocasse no papel o que falou no pronunciamento, não tenho dúvidas, o Supremo já teria sido acionado e provavelmente modificado a orientação dele.
A animosidade política está prejudicando? O presidente diz que o sr. vaza informação; o vereador Carlos Bolsonaro, que o sr. forja provas contra o pai. Isso pesa?
Se pesa, não é para mim, não tenho nada com isso. Quem tem que descer do palanque é o presidente, tem que descer e governar. E governar bem, porque o discurso dele acabou influenciando o ministro da Saúde, acaba influenciando o ministro
da Economia, que deixa de fazer seu trabalho. Ambos estão na iminência de serem responsabilizados por improbidade administrativa.
Ambos quem?
O presidente, o ministro da Economia, todo mundo. A partir do momento que tem a OMS, tem a pandemia, quais ações o estado tem que praticar? Isso está em convenções internacionais das quais o Brasil é signatário. Se não cumprir internamente, responde pelos seus atos. A começar pelo presidente.
O ministro da Saúde vinha cumprindo, mas ontem mudou seu discurso. Confunde todo mundo e coloca a população contra o governante. Então, nós vamos entrar na desobediência civil.
Como assim?
Ué, a população não sabe quem vai obedecer e obedece a quem? Ao ministro da Saúde? Ao presidente? Ou ao governador, que baixou decreto determinando que não abra loja, que shopping seja fechado, que ônibus interestaduais e intermunicipais não circulem? Cada um faz o que quer, e isso é desobediência civil.
Esse tipo de atitude estimula as pessoas a voltarem às ruas?
Desde o momento que o presidente falou houve aumento de pessoas nas ruas. Depois, nós imediatamente fomos falando e conseguimos conter.
Seu apoiador na eleição, Flávio Bolsonaro diz que seu comportamento beira à traição. Por que houve rompimento com o clã Bolsonaro?
Tem que perguntar para eles. Não sou alguém que cegamente concordo com tudo que outra pessoa fale. Quem não está preparado para ouvir discordância não está preparado para a política.
O sr. acha que rompeu com eles?
Não rompi com ninguém. No momento que estamos vendo essas dificuldades, interesses pessoais podem levar a responsabilidade direta daqueles que agem ou se omitem para satisfazer interesse pessoal. Estou trabalhando e minha relação é sempre institucional.
Bolsonaro consegue resistir até o final?
Não tenho a menor ideia. Meu relacionamento é com quem está no poder e não cabe a mim tomar qualquer atitude ou fazer qualquer juízo de valor sobre o futuro de quem quer que seja. Enquanto tiver o presidente, me relaciono com ele e espero que a recíproca seja verdadeira.
Nosso problema hoje é ter o controle dessa pandemia e exigir que o ministro Mandetta seja coerente com aquilo que está escrito, sob pena de ele sim ser responsabilizado por improbidade administrativa e todos os danos que vier a causar.