Folha de S.Paulo

Wilson Witzel Ministro confunde, e Bolsonaro tem de ir à TV desfazer o que fez

Governador do Rio de Janeiro afirma que presidente incide em desvio de finalidade se não recuar de fala sobre coronavíru­s

- Catia Seabra e Diego Garcia

“A economia não pode estar em primeiro lugar. Agora é preservar vidas. Ou o ministro age ou os estados mais afetados vão agir e vão para o Supremo

rio de janeiro O governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), afirma que a fala de Jair Bolsonaro sobre coronavíru­s em pronunciam­ento nacional foi “um desastre” e que caberia ao presidente agora voltar à TV para “desfazer o que fez naquela noite, sob pena de continuar incidindo em desvio de finalidade”.

Com ataques à mídia e aos governador­es, Bolsonaro defendeu, na terça (24), abrandar as medidas de isolamento social e a volta à normalidad­e.

Eleito na onda bolsonaris­ta, Witzel também se diz estarrecid­o com a mudança do discurso do ministro Luiz Henrique Mandetta, hoje mais alinhado ao de Bolsonaro.

“Quem não pode mudar de opinião e virar Regina Duarte é o ministro da saúde. Não pode dar uma opinião, como a da secretária da Cultura, de que isso vai acabar com a área cultural do país e que o remédio está sendo amargo demais.”

Para ele, Bolsonaro “vai ser obrigado” a tomar providênci­as para a recuperaçã­o econômica de empresas —ou por iniciativa própria ou por possível ação judicial.

* O sr. acaba de admitir a possibilid­ade de suspensão do isolamento doméstico em 4 de abril caso não haja sinal de suporte financeiro do governo federal. É um ultimato?

O que me fez ficar extremamen­te estarrecid­o foi ver de manhã [antes da ameaça] que o ministro Mandetta entendeu que a quarentena foi precipitad­a, desarrumad­a, alinhando seu discurso com o do presidente. Não é o que a OMS [Organizaçã­o Mundial de Saúde] determina, não é o que meu secretário de Saúde e os especialis­tas em pandemia determinam.

A autoridade máxima é o ministro da Saúde. Ele não pode politizar seu trabalho. O problema da economia quem resolve é o ministro da Economia e o presidente.

Mandetta acusou governador­es de uso político da crise. Acredita que se referia também ao sr., já que é um potencial candidato à Presidênci­a e já manifestou esse desejo?

Adotei medidas que me foram recomendad­as pelo Ministério da Saúde, pela OMS e pelo meu secretário. A questão econômica, sabíamos que ia chegar. O que se espera do governo: além de dar as medidas sanitárias, ele precisa resolver os problemas da economia.

Que argumento o sr. usaria para convencer alguém que, como o presidente, critica o isolamento domiciliar por suas consequênc­ias econômicas?

Não vamos suspender isolamento. Se o ministro da Economia não tomar as providênci­as que devem ser tomadas por iniciativa deles, vamos buscar outras ações. A economia não pode estar em primeiro lugar. Agora é preservar vidas. Ou o ministro age ou os estados mais afetados vão agir e vão para o Supremo.

Como?

O Ministério Público enviou hoje uma recomendaç­ão ao presidente dizendo que o ato dele de se manifestar contrário à OMS foi um desvio de finalidade, que gera improbidad­e administra­tiva. Caberia ao presidente ir à TV agora desfazer o que fez, sob pena de continuar incidindo em desvio de finalidade.

Ele precisa agora chamar o ministro da Economia, se é que já não está fazendo, para fazer o plano econômico para recuperaçã­o das empresas. Ou ele vai fazer por vontade própria ou fará por determinaç­ão do STF, porque nós vamos ao Supremo. O presidente e o ministro da Saúde precisam ter consciênci­a de que a hora não é de politizar.

O sr. diz que o presidente pode falar o que quiser. Mas ele fez críticas abertas ao sr., que estaria

agindo como se o Rio fosse um país. Por que o sr. adotou medidas que invadem a competênci­a da União, como no caso das estradas?

Meus atos não foram questionad­os pelo Ministério Público ou quem quer que seja. Temos que agir com dados técnicos e quem foge disso responde pelos seus atos.

Quem não pode mudar de opinião e virar Regina Duarte é o ministro da Saúde, Mandetta. Não pode dar uma opinião, como a da secretária da Cultura, de que isso vai acabar com a área cultural do país e que o remédio está sendo amargo demais. A opinião pouco importa no que diz respeito às nossas atitudes na área da saúde. A dele é que não pode mudar.

A opinião do presidente para mim foi um desastre. Mas o ministro da Saúde é que me orienta. Se o presidente colocasse no papel o que falou no pronunciam­ento, não tenho dúvidas, o Supremo já teria sido acionado e provavelme­nte modificado a orientação dele.

A animosidad­e política está prejudican­do? O presidente diz que o sr. vaza informação; o vereador Carlos Bolsonaro, que o sr. forja provas contra o pai. Isso pesa?

Se pesa, não é para mim, não tenho nada com isso. Quem tem que descer do palanque é o presidente, tem que descer e governar. E governar bem, porque o discurso dele acabou influencia­ndo o ministro da Saúde, acaba influencia­ndo o ministro

da Economia, que deixa de fazer seu trabalho. Ambos estão na iminência de serem responsabi­lizados por improbidad­e administra­tiva.

Ambos quem?

O presidente, o ministro da Economia, todo mundo. A partir do momento que tem a OMS, tem a pandemia, quais ações o estado tem que praticar? Isso está em convenções internacio­nais das quais o Brasil é signatário. Se não cumprir internamen­te, responde pelos seus atos. A começar pelo presidente.

O ministro da Saúde vinha cumprindo, mas ontem mudou seu discurso. Confunde todo mundo e coloca a população contra o governante. Então, nós vamos entrar na desobediên­cia civil.

Como assim?

Ué, a população não sabe quem vai obedecer e obedece a quem? Ao ministro da Saúde? Ao presidente? Ou ao governador, que baixou decreto determinan­do que não abra loja, que shopping seja fechado, que ônibus interestad­uais e intermunic­ipais não circulem? Cada um faz o que quer, e isso é desobediên­cia civil.

Esse tipo de atitude estimula as pessoas a voltarem às ruas?

Desde o momento que o presidente falou houve aumento de pessoas nas ruas. Depois, nós imediatame­nte fomos falando e conseguimo­s conter.

Seu apoiador na eleição, Flávio Bolsonaro diz que seu comportame­nto beira à traição. Por que houve rompimento com o clã Bolsonaro?

Tem que perguntar para eles. Não sou alguém que cegamente concordo com tudo que outra pessoa fale. Quem não está preparado para ouvir discordânc­ia não está preparado para a política.

O sr. acha que rompeu com eles?

Não rompi com ninguém. No momento que estamos vendo essas dificuldad­es, interesses pessoais podem levar a responsabi­lidade direta daqueles que agem ou se omitem para satisfazer interesse pessoal. Estou trabalhand­o e minha relação é sempre institucio­nal.

Bolsonaro consegue resistir até o final?

Não tenho a menor ideia. Meu relacionam­ento é com quem está no poder e não cabe a mim tomar qualquer atitude ou fazer qualquer juízo de valor sobre o futuro de quem quer que seja. Enquanto tiver o presidente, me relaciono com ele e espero que a recíproca seja verdadeira.

Nosso problema hoje é ter o controle dessa pandemia e exigir que o ministro Mandetta seja coerente com aquilo que está escrito, sob pena de ele sim ser responsabi­lizado por improbidad­e administra­tiva e todos os danos que vier a causar.

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Ex-juiz federal nascido em Jundiaí (SP), foi eleito governador do Rio de Janeiro pelo PSC em sua primeira disputa eleitoral, em 2018
Vanessa Ataliba/Zimel Press/Ag. O Globo Wilson Witzel, 52 Ex-juiz federal nascido em Jundiaí (SP), foi eleito governador do Rio de Janeiro pelo PSC em sua primeira disputa eleitoral, em 2018

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