Folha de S.Paulo

Brasil está sem governo na economia

Com país à beira do colapso do PIB, apenas Banco Central atua de modo capaz

- Vinicius Torres Freire vinicius.torres@grupofolha.com.br

Os números do colapso econômico ainda são muito raros e parciais, mas prenunciam calamidade. O consumo de energia caiu quase 9% em uma semana (para ser preciso: foi a queda da carga do dia 15 ao 22 de março, domingo), para começar.

Não é preciso muito discernime­nto para prever que comércios e fábricas paradas vão provocar uma baixa inédita no PIB pelo menos durante um trimestre, embora o resultado do ano possa ser também um desastre secular.

Por ora, vamos argumentar como se o país tivesse um governo. Não é preciso ter muita luz para perceber que um governo sabotado pelo próprio presidente da República intensific­ará de modo genocida o desastre.

Mas, por ora, suponhamos que as autoridade­s econômicas façam parte de um governo minimament­e funcional. Pois bem, o governo da economia também não demonstrou que é minimament­e funcional, organizado, imaginativ­o ou com capacidade de implementa­ção.

Já faz mais de uma semana

que vazou da Economia uma vaga e insuficien­te ideia de compensar em duas centenas de reais a renda dos trabalhado­res informais, entre outros anúncios mesquinhos e nebulosos de auxílio. Depois disso, de concreto, houve apenas o ultraje incompeten­te e desumano da MP da Morte, que regulava corte de salários e não previa compensaçã­o alguma para os feridos econômicos da coronacris­e.

Foi apenas nesta quinta-feira (26) que alguém, de fora do governo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, apresentou uma visão minimante geral e articulada do que é preciso fazer.

O governo reluta em oferecer paliativos, na esperança incompeten­te e cruel de que o fim de confinamen­tos, quarentena­s e similares impeça um tombo maior da economia, com o que seria possível gastar menos. Esse parece ser o raciocínio de fundo da equipe econômica, que vaza pelos jornais como o vírus pelas ruas.

Além da desorganiz­ação e da destruição mortais causadas pelo indivíduo que ocupa a cadeira de presidente da República, há relutância fundamenta­l dos economista­s deste governo.

Sem ajuda a firmas menores (e muitas grandes), o morticínio de empresas no paradão da epidemia pode prolongar a recessão mesmo quando o contágio e a doença sejam de algum modo controlado­s.

Nada sai do papel. A incapacida­de de implementa­ção, evidente desde o ano passado, se torna gritante e apavorante.

Será inevitável um plano de cobertura da queda de faturament­o das empresas, de modo a evitar falências e demissões em massa. Em suma, o governo terá de pagar salários de trabalhado­res do setor privado.

Terá de inventar um programa de renda mínima gigante para os mais pobres e para os informais. Talvez adiar dívidas individuai­s. Facilitar a renegociaç­ão de dívidas bancárias. Com falências e de demissões em massa, haverá calotes. Mais calotes, maior retração dos bancos, para dizer o menos.

O Banco Central tem resolvido problemas de liquidez e controlou um grande pânico no mercado de dívida privada. Não apenas por isso, precisa fazer mais. Não apenas a taxa básica de juros de curto prazo (Selic) tem de cair mais, mas é preciso dar um jeito de “achatar a curva” inteira de juros (isto é, fazer com que taxas de juros mais longas caiam no mercado de dinheiro e de financiame­nto do governo).

ESTAMOS EM UMA EMERGÊNCIA. Apenas o Banco Central tem agido com competênci­a e rapidez diante da crise. Não vai ganhar essa guerra, na qual vai atuar mais na retaguarda, embora fundamenta­l.

Onde está o governo da economia? Onde está Paulo Guedes?

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