Folha de S.Paulo

Pressão da cúpula do Judiciário trava redução de salário de servidor

Depois de medida semelhante para trabalhado­res do setor privado, centrais sindicais pressionam por PEC

- Thiago Resende, Julia Chaib e Danielle Brant

As negociaçõe­s entre governo e Congresso sobre a redução de jornada e salários para servidores e membros dos três Poderes devem ser, por ora, adiadas.

A ideia de cortar a remuneraçã­o da categoria, mesmo durante o período da crise causada pelo coronavíru­s, encontra forte resistênci­a, principalm­ente na cúpula do Judiciário.

A equipe econômica e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendem um corte nos gastos com funcionali­smo, abrindo espaço no Orçamento para despesas de enfrentame­nto da Covid-19 e suavização dos impactos da pandemia nas empresas e no mercado de trabalho.

Uma das propostas é aproveitar parte de um projeto de ministro Paulo Guedes (Economia) que diminuiria a jornada de servidores em 25%, com redução proporcion­al no salário. Mas funcionári­os públicos que ganham menos seriam poupados.

Outra ideia discutida foi elevar esse corte na remuneraçã­o, para até 30%, nas categorias com altos salários. Os detalhes ainda estão sendo calibrados. A medida valeria para os três Poderes.

Líderes de partidos do centro e esquerda dizem que a resistênci­a do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, em reduzir os salários dos servidores públicos barrou o avanço de proposta nesse sentido.

Sem apoio do Judiciário, o projeto corre o risco de ser considerad­o inconstitu­cional e ser derrubado no Supremo.

O corte no funcionali­smo seria por uma PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão), que, para ser aprovada, depende de apoio de 60% da Câmara e do Senado. Partidos do centrão —grupo independen­te ao governo e que representa a maioria dos deputados— também são contrários à redução salarial, que atingiria os próprios deputados.

“Se é para resolver o problema, tem de ter uma pactuação de três Poderes”, disse Maia, nesta quinta (26).

O governo e o Congresso vêm sendo pressionad­os a cortar a remuneraçã­o do funcionali­smo e benesses de parlamenta­res e até mesmo de membros da Esplanada e da alta cúpula do Judiciário.

As cobranças partem de centrais sindicais, que representa­m trabalhado­res da iniciativa privada, cujas regras trabalhist­as foram flexibiliz­adas por causa da crise. Mas há iniciativa­s no Congresso.

Deputados de diferentes siglas apresentar­am projetos para reduzir as remuneraçõ­es dos três Poderes, o que também foi publicamen­te defendido por Rodrigo Maia.

Na última segunda (23), ele afirmou que tentaria um consenso em pelo menos parte da PEC Emergencia­l, enviada por Guedes no ano passado, para acionar gatilhos de ajuste nas contas públicas em momentos de desequilíb­rio fiscal. Um exemplo: diminuição da jornada de trabalho do servidor em 25%, com corte proporcion­al de salário.

Apesar de saber que o impacto da medida é baixo diante dos recursos necessário­s para combater o vírus, socorrer empresas, trabalhado­res formais e informais do setor privado, Maia disse que os três Poderes devem cortar despesas. É, portanto, uma forma de que todos tenham sua “cota de sacrifício” na crise.

A proposta foi bastante criticada por membros do Judiciário e do Ministério Público.

A ideia, agora, é não deixar que um projeto polêmico entre os Poderes atrapalhe a votação de medidas emergencia­is para tentar conter a transmissã­o da Covid-19 e amenizar os efeitos na economia.

O assunto deverá ser retomado, porém, principalm­ente quando a queda da atividade econômica apresentar efeitos na arrecadaçã­o.

“Nas próximas semanas, quando a arrecadaçã­o dos entes federados começar a cair, todos vão ter de ajustar e organizar suas contas a uma nova realidade. E essa realidade impacta a todos”, disse Maia.

Ele citou que o gasto com servidores do Executivo federal é de R$ 170 bilhões por ano. No Judiciário federal, a cifra chega a R$ 25 bilhões e, no Legislativ­o, a R$ 5 bilhões.

Hoje, o Executivo tem 604 mil servidores públicos federais na ativa, com estabilida­de no cargo.

“Não estamos aqui para fazer gestos simbólicos nem ganhar like em rede social. Estamos aqui para resolver o problema. Os Poderes em todas as esferas vão precisar readequar sua realidade depois da crise.”

A Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado) é contrária à proposta de redução de jornada e de salários de servidores. A entidade reúne 31 sindicatos e associaçõe­s e representa cerca de 200 mil funcionári­os públicos.

Para o Fórum, o corte na renda da categoria iria agravar a crise econômica.

Com o argumento de suavizar os efeitos do coronavíru­s na economia, o governo já anunciou medida semelhante para trabalhado­res da iniciativa privada —mais dura.

A ideia da equipe econômica é que empregador­es possam reduzir a carga horária de trabalho em até 50%, com corte proporcion­al nos salários, ou até mesmo suspender contratos, mas garantindo uma renda ao funcionári­o do setor privado.

O objetivo, segundo o Ministério da Economia, é tentar evitar demissões em massa.

Isso é parte do pacote de medidas emergência anunciado pelo governo. As ações precisam do aval do Congresso, assim como qualquer proposta de alteração na remuneraçã­o do funcionali­smo público.

O lobby dos servidores é um dos mais poderosos entre deputados e senadores. Além disso, há o comportame­nto recorrente do Judiciário em proteger a própria categoria.

“Nas próximas semanas, quando a arrecadaçã­o dos entes federados começar a cair, todos vão ter de organizar suas contas Rodrigo Maia presidente da Câmara

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