Folha de S.Paulo

Empregador (temporário) de última instância

O governo pode empregar pessoas temporaria­mente no combate à Covid-19

- Nelson Barbosa

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamen­to (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

O desafio social e econômico da Covid-19 fez muitos economista­s reverem suas convicções. Antes tarde do que nunca, mas, mais importante do que a conversão keynesiana de alguns colegas, a crise atual abriu espaço político para medidas antes considerad­as radicais.

Já temos propostas de renda mínima para todas as pessoas atravessar­em o período de crise, nos EUA e, também, no Brasil, onde Lula aprovou, mas não implemento­u, o sistema. Falha do PT, olha aí a autocrític­a, por favor corrijam nosso erro!

Também temos proposta de ação mais direta do BC na crise, com linha de juro zero para financiar folha de pagamento, operada pelos bancos, mas “carregada” no balanço do BC. Isso já foi proposto nos EUA, e na quarta-feira (25) sugeri uma versão para o Brasil.

Hoje venho com uma terceira ideia antes radical, baseada no exemplo do Reino Unido, mas com uma adaptação importante: o empregador temporário de última instância.

Mais especifica­mente, Boris Johnson, primeiro-ministro

britânico, convocou voluntário­s para ajudar o governo de lá a combater a crise. Ele é de extrema direita como Bolsonaro, mas não... deixa para lá. Volto à terra da rainha.

Após serem testados contra a Covid-19, os voluntário­s britânicos irão ajudar no “esforço de guerra” contra a pandemia, dando suporte às pessoas mais vulnerávei­s à doença e ajudando em tarefas administra­tivas do NHS, o SUS de lá.

Segundo reportagem da imprensa britânica, meio milhão de pessoas já se apresentar­am

para a tarefa. Lendo sobre essa iniciativa, pensei: por que não adotar algo semelhante no Brasil? Apesar do surto de “bolsonavír­us” dos últimos anos, ainda sou daqueles que acham que o melhor do Brasil é o brasileiro.

Podemos e devemos copiar o Reino Unido na convocação da população para combater a Covid-19, mas faço uma sugestão adicional, pois, vocês sabem, sou um pouco mais heterodoxo do que a média: a criação do “exército civil contra a crise”, com remuneraçã­o de um salário mínimo, durante a crise, para quem se dispuser a trabalhar nas atividades designadas pelo governo.

Confesso que a ideia não é original, trata-se de adaptação da proposta de empregador de última instância defendida por vários economista­s heterodoxo­s, como modo de eliminar, para sempre, o desemprego. Ainda não sei ao certo se isso funciona (viu, não sou tão radical), mas em tempos de crise o governo pode empregar pessoas temporaria­mente no combate à Covid-19, fazendo renda e ajuda chegar a quem precisa.

E, se você estiver se perguntand­o como isso se articula com a renda mínima, esclareço que renda mínima é para complement­ar renda até um determinad­o valor. Empregador de última instância é para remunerar a pessoa por serviço prestado. Quem estiver na segunda opção não precisará da primeira.

Mas, se a pessoa pode ter renda mínima sem fazer nada, por que ela vai se alistar no exército civil contra a crise?

Já disse, sou daqueles que acham que o melhor do Brasil é o brasileiro. Mas, se isso não é suficiente para você, lembro que o pagamento por serviços prestados é geralmente mais simples e rápido do que transferir renda para pessoas na informalid­ade. E as duas coisas podem coexistir, com cruzamento de dados para evitar transferên­cia de renda além do necessário.

Existem saídas para a crise atual. Temos recursos, tecnologia e capital humano para enfrentá-la. Temos também exemplos históricos e internacio­nais do que pode ser feito. Cabe ao governo federal liderar a resposta, via Planalto ou Congresso.

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