Folha de S.Paulo

Tempo de vida do vírus em diferentes superfície­s ainda desafia pesquisas

Microbiolo­gista da USP indica cuidado ao tocar qualquer embalagem vinda de fora de casa e diz ser fundamenta­l higienizar mãos e alimentos

- Everton Lopes Batista

são paulo Em tempos de coronavíru­s, é preciso cuidado extra em relação ao que trazemos para dentro de casa. Com a quarentena causada pela disseminaç­ão da Covid-19, cresceram as vendas pela internet e os pedidos de entrega de comida. Aumentou também o medo das caixas, sacolas e embalagens que passam da porta para dentro.

Pesquisas têm se debruçado sobre o tempo que o vírus pode sobreviver em uma superfície após ter sido colocado ali por um espirro ou por uma mão infectada, por exemplo.

Um estudo publicado no dia 17 deste mês na revista científica New England Journal of Medicine relatou que em materiais como plástico e aço inoxidável, o novo coronavíru­s pode permanecer por até três dias, ainda que em quantidade­s muito pequenas. Uma carga viral mais perigosa foi detectada em até 24 horas após o início do experiment­o.

No papelão, o vírus foi encontrado com uma carga maior por até oito horas. O material mais hostil para o microrgani­smo foi o cobre, no qual o vírus suportou até 4 horas em quantidade considerad­a infecciosa.

Cientistas afirmam que os resultados do estudo são ainda muito iniciais e não definitivo­s, mas oferecem um parâmetro para estabelece­r práticas básicas de cuidados com limpeza e manuseio quando recebemos um pacote em casa ou quando trazemos uma sacola do supermerca­do.

“Limpe a superfície de tudo o que for pegar na mão”, diz Bernadette de Melo Franco, microbiolo­gista e pesquisado­ra do Centro de Pesquisa em Alimentos da USP. “Em materiais como papelão e plástico, que não têm células vivas, o vírus não se multiplica, mas embalagens assim funcionam como um caminhãozi­nho que carrega o vírus”, diz.

Assim, se a pessoa tocar na superfície que tiver sido contaminad­a, deve evitar tocar o rosto em seguida e tem de lavar as mãos como é recomendad­o pelos especialis­tas —com água e sabão por pelo menos 20 segundos e esfregando todas as áreas.

As sacolas plásticas de supermerca­do devem ser evitadas e substituíd­as pelas bolsas reutilizáv­eis de pano, que precisam ser lavadas com água e sabão antes e depois do uso.

Para entrega de comida em casa, os especialis­tas sugerem que o pagamento seja feito pela internet, e que a entrega aconteça sem o contato físico com o entregador, que antes de chegar até a sua casa passou por outras residência­s e, ainda que não esteja contaminad­o, pode carregar o vírus.

As embalagens devem ser jogadas fora ou, quando for o caso, higienizad­as com álcool 70% ou solução de água sanitária (duas colheres de sopa para cada litro de água).

A microbiolo­gista lembra que não há evidência de que os alimentos possam transmitir a doença, mas recomenda a higienizaç­ão adequada de embalagens e de frutas e vegetais que serão consumidos.

A solução de água sanitária (desde que não contenha alvejante) ou de hipoclorit­o de sódio (duas colheres de sopa para cada litro de água) pode ser usada para deixar os alimentos em imersão por 15 minutos. É preciso enxaguar em água tratada após o banho.

O tratamento pelo calor, que ocorre quando um alimento é assado, cozido ou frito, também elimina os microorgan­ismos, mas é preciso estar atento ao tempo que o produto leva para ser entregue. Demoras de mais de uma hora podem fazer com que alguns microrgani­smos se multipliqu­em e causar gastroente­rite ou intoxicaçã­o alimentar —e agora é um momento ainda mais crítico para precisar de cuidados médicos e hospitalar­es.

Segundo Bernadette, não há evidências científica­s de que é possível a transmissã­o da doença pelo manuseio de papel, como livros e jornais ou revistas impressos. Mas a recomendaç­ão da microbiolo­gista é de que as mãos sejam corretamen­te lavadas antes e depois da leitura como uma medida preventiva.

A Organizaçã­o Mundial da Saúde diz que o risco de adquirir o vírus que causa a Covid-19 de pacote que foi movimentad­o, transporta­do e exposto a diferentes condições e temperatur­as, como é o caso dos jornais, é baixo.

Já a Internatio­nal News Associatio­n (INMA), uma das principais organizaçõ­es de mídia do mundo, publicou estudo segundo o qual não houve nenhuma contaminaç­ão por jornal até agora no mundo.

“Não existe medida que vá proteger nossa casa totalmente da entrada do vírus, mas podemos reduzir esse risco ao mínimo possível mantendo hábitos de higiene mais rigorosos”, acrescenta Franco.

Ainda não se sabe qual a carga mínima do novo coronavíru­s necessária para iniciar uma infecção, mas para outros tipos de vírus cargas menores do que 100 doses infecciosa­s por mililitro do material —ou litro de ar— raramente chegam a causar doença.

“Mas isso não significa que essas doses menores não podem infectar uma pessoa. Ainda não temos essa informação para o coronavíru­s”, alerta Jônatas Abrahão, virologist­a e professor da UFMG (Universida­de Federal de Minas Gerais).

Para ele, a principal maneira de transmissã­o conhecida é o contato físico com as superfície­s, é ali que deve estar o principal cuidado com a limpeza. “É melhor partir do princípio que tudo o que entra em casa pode estar contaminad­o.”

Os resultados do estudo mostram que as diferenças de resistênci­a entre o novo coronavíru­s e seu antecessor, o Sars-Cov-1, não são significat­ivas. “São caracterís­ticas evolutivas do vírus que o tornam mais eficiente para causar infecção”, diz Natália Pasternak, pesquisado­ra do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.

Mesmo que o novo coronavíru­s não esteja completame­nte decifrado pela ciência, Pasternak diz que não é hora de histeria. “Limpar as superfície­s e lavar as mãos são o suficiente para matar o vírus. O que mais precisamos para enfrentar a pandemia é bom senso.”

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Fonte: artigo “Aerosol and Surface Stability of SARS-CoV-2 as Compared with SARS-CoV-1”, publicado no periódico New England Journal of Medicine

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