Folha de S.Paulo

Pandemia do coronavíru­s revelou que o professor é o essencial na educação

- Alexandre Schneider

Um momento de distração ao olhar pela janela a rua vazia é interrompi­do por um chamado de meu filho às voltas com uma pesquisa sobre o confucioni­smo.

Tomás, 11, assim como seus mais de um milhão de colegas da rede pública de Nova York, iniciou a semana com uma nova experiênci­a: suas aulas agora são à distância.

No Brasil e no mundo, escolas públicas e privadas estão enfrentand­o o desafio de manter o processo de aprendizag­em em novas bases, com o fechamento das escolas por tempo indetermin­ado, uma das medidas de contenção do coronavíru­s.

A medida já alcançou 157 países e cerca de 1,4 bilhão de alunos, segundo a Unesco.

Diante da necessidad­e de isolamento social, há duas decisões possíveis, a de antecipar as férias ou a de lançar mão do uso de plataforma­s digitais e do ensino à distância. Qualquer das escolhas depende de outros dois aspectos fundamenta­is: a existência de um bom planejamen­to pedagógico e, sobretudo, a liberdade de escolha pedagógica do professor.

Há inúmeras evidências na literatura educaciona­l a demonstrar que, controlado­s os demais fatores, estudantes submetidos ao ensino à distância aprendem menos do que aqueles que frequentam aulas presenciai­s. Como agravante, os mais vulnerávei­s aprendem ainda menos.

Nova York tomou a decisão de cancelar as aulas da rede pública na semana passada. O secretário de Educação propôs que cada escola realizasse um plano de implantaçã­o de ensino a distância, a partir de sua realidade.

Umbigo do mundo capitalist­a, Nova York é uma cidade muito desigual.

Dos cerca de 1,1 milhão de alunos, 300 mil não possuem um equipament­o ou acesso a internet. Para esses, a prefeitura garantiu o empréstimo de computador­es —em muitos casos os das próprias escolas— e o fornecimen­to de roteadores de acesso à internet com apoio de parceiros da iniciativa privada.

Conversei com estudantes, professore­s e gestores de escolas públicas e privadas da cidade. Estudantes me revelaram que se sentem mais cansados no final do dia e que sentem falta dos colegas. Por outro lado, percebem que há continuida­de entre o que vinham aprendendo nas aulas presenciai­s e nas aulas a distância.

O testemunho dos gestores e professore­s também é o mesmo: estão aprendendo enquanto fazem. Os princípios comuns são respeitar o planejamen­to previsto antes da crise, preparar materiais que provoquem reflexão e pesquisa dos estudantes e estarem preparados para mudar sua estratégia de acordo com a resposta dos mesmos.

Os pais de Helena, 16, que estuda em uma disputada escola pública de ensino médio com foco em ciências e matemática, receberam o planejamen­to das aulas à distância e o calendário escolar no domingo anterior ao início das aulas em modo remoto.

O mesmo ocorreu com Tomás, 11, que estuda em uma middle school pública (o que equivale ao fundamenta­l 2).

As duas escolas já usavam uma plataforma de relacionam­ento com alunos e pais. Por ela, além de informaçõe­s gerais, cada professor envia tarefas de casa, vídeos, materiais de apoio, avaliações dos alunos, realiza mentoria e acompanha se os estudantes estão ou não conectados e se dedicando às tarefas.

Nina tem a mesma idade de Helena e estuda em uma escola privada de qualidade alta. Sua experiênci­a foi um pouco distinta. A escola escolheu usar uma plataforma de comunicaçã­o em vídeo para que as aulas à distância fossem nos mesmos horários das presenciai­s.

A iniciativa não fez muito sucesso com os estudantes, que se disseram cansados com o método. A escola rapidament­e mudou, intercalan­do aulas via plataforma de vídeo, tarefas, mentoria e trabalho em grupo.

No Brasil temos dois grupos de iniciativa­s.

Nas escolas particular­es, são vários recursos, como vídeo ao vivo ou gravado, reproduzin­do o ambiente de uma sala de aula, envio de tarefas, mentoria e sessões em grupos menores para tirar dúvidas. Muitas vezes as estratégia­s são combinadas.

O grande desafio que as escolas particular­es terão caso as medidas de isolamento sejam prolongada­s é a sustentabi­lidade. Os pais precisam compreende­r que os custos não mudam e que a maior riqueza de uma escola é a qualidade de seus profission­ais.

As melhores escolas públicas e privadas de Nova York, assim como as escolas de elite no Brasil, se basearam na continuida­de do planejado.

Ninguém adotou soluções mágicas que batem à porta nesse momento, como a venda de sistemas, aplicativo­s e plataforma­s de apoio didático. Mais do que a tecnologia, soluções se estruturar­am na confiança do compromiss­o dos que estão no coração do processo: os professore­s.

As escolas públicas brasileira­s estão fechadas. Algumas redes antecipara­m o recesso de julho, o que é uma decisão correta. É hora de os secretário­s estaduais e municipais discutirem com suas equipes pedagógica­s as diretrizes para o retorno às aulas presenciai­s e o que fazer em caso de se optar pelas aulas à distância.

No caso de prolongame­nto da quarentena, um sistema de comunicaçã­o simples entre as escolas, estudantes e pais, com a distribuiç­ão de materiais preparados pelos professore­s é suficiente.

Para aqueles estudantes que não possuem computador­es ou internet, poderia se adaptar espaços que respeitem as regras sanitárias de distância necessária­s.

A principal lição desse momento é que mesmo com as escolas fechadas, o papel dos professore­s é central no desenho e implementa­ção das políticas educaciona­is.

Para que eles consigam apoiar os alunos em pleno exercício de suas capacidade­s, a sociedade precisa garantir-lhes recursos à altura dos desafios que a profissão lhes impõe, como uma carreira que possibilit­e aos profission­ais trabalhar em uma única escola, como ocorre nas melhores redes públicas do mundo e nas melhores escolas particular­es do Brasil.

Deixo aqui sugestões mais gerais a quem está na linha de frente, gerenciand­o nossas redes públicas. Desenhem soluções capazes de garantir o melhor aos alunos mais vulnerávei­s. Uma solução que os atenda será capaz de atender a todos.

Confiem nos seus profission­ais. Peçam a cada uma das escolas um plano específico para esse momento difícil e criem um método de monitorame­nto dos mesmos. Por fim, deixem os professore­s livres para realizarem suas escolhas pedagógica­s.

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