Pandemia do coronavírus revelou que o professor é o essencial na educação
Um momento de distração ao olhar pela janela a rua vazia é interrompido por um chamado de meu filho às voltas com uma pesquisa sobre o confucionismo.
Tomás, 11, assim como seus mais de um milhão de colegas da rede pública de Nova York, iniciou a semana com uma nova experiência: suas aulas agora são à distância.
No Brasil e no mundo, escolas públicas e privadas estão enfrentando o desafio de manter o processo de aprendizagem em novas bases, com o fechamento das escolas por tempo indeterminado, uma das medidas de contenção do coronavírus.
A medida já alcançou 157 países e cerca de 1,4 bilhão de alunos, segundo a Unesco.
Diante da necessidade de isolamento social, há duas decisões possíveis, a de antecipar as férias ou a de lançar mão do uso de plataformas digitais e do ensino à distância. Qualquer das escolhas depende de outros dois aspectos fundamentais: a existência de um bom planejamento pedagógico e, sobretudo, a liberdade de escolha pedagógica do professor.
Há inúmeras evidências na literatura educacional a demonstrar que, controlados os demais fatores, estudantes submetidos ao ensino à distância aprendem menos do que aqueles que frequentam aulas presenciais. Como agravante, os mais vulneráveis aprendem ainda menos.
Nova York tomou a decisão de cancelar as aulas da rede pública na semana passada. O secretário de Educação propôs que cada escola realizasse um plano de implantação de ensino a distância, a partir de sua realidade.
Umbigo do mundo capitalista, Nova York é uma cidade muito desigual.
Dos cerca de 1,1 milhão de alunos, 300 mil não possuem um equipamento ou acesso a internet. Para esses, a prefeitura garantiu o empréstimo de computadores —em muitos casos os das próprias escolas— e o fornecimento de roteadores de acesso à internet com apoio de parceiros da iniciativa privada.
Conversei com estudantes, professores e gestores de escolas públicas e privadas da cidade. Estudantes me revelaram que se sentem mais cansados no final do dia e que sentem falta dos colegas. Por outro lado, percebem que há continuidade entre o que vinham aprendendo nas aulas presenciais e nas aulas a distância.
O testemunho dos gestores e professores também é o mesmo: estão aprendendo enquanto fazem. Os princípios comuns são respeitar o planejamento previsto antes da crise, preparar materiais que provoquem reflexão e pesquisa dos estudantes e estarem preparados para mudar sua estratégia de acordo com a resposta dos mesmos.
Os pais de Helena, 16, que estuda em uma disputada escola pública de ensino médio com foco em ciências e matemática, receberam o planejamento das aulas à distância e o calendário escolar no domingo anterior ao início das aulas em modo remoto.
O mesmo ocorreu com Tomás, 11, que estuda em uma middle school pública (o que equivale ao fundamental 2).
As duas escolas já usavam uma plataforma de relacionamento com alunos e pais. Por ela, além de informações gerais, cada professor envia tarefas de casa, vídeos, materiais de apoio, avaliações dos alunos, realiza mentoria e acompanha se os estudantes estão ou não conectados e se dedicando às tarefas.
Nina tem a mesma idade de Helena e estuda em uma escola privada de qualidade alta. Sua experiência foi um pouco distinta. A escola escolheu usar uma plataforma de comunicação em vídeo para que as aulas à distância fossem nos mesmos horários das presenciais.
A iniciativa não fez muito sucesso com os estudantes, que se disseram cansados com o método. A escola rapidamente mudou, intercalando aulas via plataforma de vídeo, tarefas, mentoria e trabalho em grupo.
No Brasil temos dois grupos de iniciativas.
Nas escolas particulares, são vários recursos, como vídeo ao vivo ou gravado, reproduzindo o ambiente de uma sala de aula, envio de tarefas, mentoria e sessões em grupos menores para tirar dúvidas. Muitas vezes as estratégias são combinadas.
O grande desafio que as escolas particulares terão caso as medidas de isolamento sejam prolongadas é a sustentabilidade. Os pais precisam compreender que os custos não mudam e que a maior riqueza de uma escola é a qualidade de seus profissionais.
As melhores escolas públicas e privadas de Nova York, assim como as escolas de elite no Brasil, se basearam na continuidade do planejado.
Ninguém adotou soluções mágicas que batem à porta nesse momento, como a venda de sistemas, aplicativos e plataformas de apoio didático. Mais do que a tecnologia, soluções se estruturaram na confiança do compromisso dos que estão no coração do processo: os professores.
As escolas públicas brasileiras estão fechadas. Algumas redes anteciparam o recesso de julho, o que é uma decisão correta. É hora de os secretários estaduais e municipais discutirem com suas equipes pedagógicas as diretrizes para o retorno às aulas presenciais e o que fazer em caso de se optar pelas aulas à distância.
No caso de prolongamento da quarentena, um sistema de comunicação simples entre as escolas, estudantes e pais, com a distribuição de materiais preparados pelos professores é suficiente.
Para aqueles estudantes que não possuem computadores ou internet, poderia se adaptar espaços que respeitem as regras sanitárias de distância necessárias.
A principal lição desse momento é que mesmo com as escolas fechadas, o papel dos professores é central no desenho e implementação das políticas educacionais.
Para que eles consigam apoiar os alunos em pleno exercício de suas capacidades, a sociedade precisa garantir-lhes recursos à altura dos desafios que a profissão lhes impõe, como uma carreira que possibilite aos profissionais trabalhar em uma única escola, como ocorre nas melhores redes públicas do mundo e nas melhores escolas particulares do Brasil.
Deixo aqui sugestões mais gerais a quem está na linha de frente, gerenciando nossas redes públicas. Desenhem soluções capazes de garantir o melhor aos alunos mais vulneráveis. Uma solução que os atenda será capaz de atender a todos.
Confiem nos seus profissionais. Peçam a cada uma das escolas um plano específico para esse momento difícil e criem um método de monitoramento dos mesmos. Por fim, deixem os professores livres para realizarem suas escolhas pedagógicas.