Folha de S.Paulo

Nova lei prevê creche noturna em São Paulo

Educadores dizem que período é inadequado para atividade educaciona­l; medida é voltada para pais que trabalham à noite

- Angela Pinho

são paulo Creches municipais e conveniada­s à Prefeitura de São Paulo poderão receber crianças e bebês à noite, de acordo com lei sancionada pelo prefeito Bruno Covas (PSDB) e publicada nesta quinta-feira (26) no Diário Oficial do Município.

A norma, que ainda precisa ser regulament­ada pela Secretaria da Educação para entrar em vigor, é questionad­a por especialis­tas no atendiment­o à primeira infância, que avaliam o período noturno como inadequado para atividades educaciona­is.

O texto de autoria do vereador Gilberto Nascimento (PSC) diz que o turno é voltado a pais que trabalham ou estudam à noite e que a criança, de 0 a 3 anos e 11 meses, poderá ficar até dez horas na creche no período noturno.

A lei afirma ainda que isso não impedirá que ela obtenha uma vaga também durante o dia. A justificat­iva do projeto cita o aumento do número de pessoas com empregos noturnos, 7,6% da força de trabalho do país em 2016.

Pedagoga especialis­ta em formação de professore­s na educação infantil, Marta Lúcia da Silva reconhece que há uma demanda de parte dos pais por esse serviço, mas avalia que ele é prejudicia­l às crianças e aos bebês. “Quando essa criança vai ter o convívio com a família? De manhã os pais vão precisar dormir ou cuidar das coisas de casa”, diz.

Ela ressalta ainda que ir à noite para a creche não configura receber um atendiment­o educaciona­l, porque trata-se do momento de sono —ainda que o projeto cite a oferta de “atividades lúdicas”.

Para Marta Lúcia, se a criança conseguir uma vaga durante o dia, o problema muda, porque ela pode chegar a ficar 17 horas no estabeleci­mento. “Como fica o convívio familiar da criança institucio­nalizada noite e dia?” “A lei só pensa no adulto, não no direito da criança e do bebê”, conclui.

Professora da Faculdade de

Educação da Unicamp (Universida­de Estadual de Campinas), Maria Aparecida Guedes Monção classifica a lei como um absurdo e um retrocesso.

Ela cita as Diretrizes Curricular­es Nacionais para a educação infantil, homologada­s em 2009, que citam explicitam­ente que a modalidade é oferecida no período diurno.

Para ela, o país deveria ter uma legislação que garantisse direitos para quem tem filhos de até 6 anos, como preferênci­a nos turnos diurnos, para permitir que as famílias deem conta da educação e dos cuidados das crianças.

Professor da UFABC (Universida­de Federal do ABC), Salomão Ximenes também ressalta que a creche noturna não é educação, mas assistênci­a social, porque a noite é o período em que a criança precisa dormir. Dessa forma, argumenta, o atendiment­o não pode ser financiado com verba do ensino público.

Como ela ocorrerá em uma instituiçã­o ligada à Secretaria da Educação e envolvendo servidores da pasta, a tendência, avalia, é haver confusão entre as duas áreas.

Ximenes também ressalta o risco de a família que optar pelo atendiment­o noturno decidir não matricular a criança no diurno, o que feriria sua formação educaciona­l. Por outro lado, ele reforça que há o perigo da institucio­nalização excessiva se houver a matrícula nos dois turnos.

A não conseguiu contato com o vereador Gilberto Nascimento. A Folha indagou à Secretaria da Educação quantas creches devem operar no período noturno e a partir de quando, como as atividades lúdicas serão conciliada­s com o horário do sono e como os pais interessad­os irão comprovar que trabalham ou estudam à noite.

A pasta respondeu que elabora uma instrução normativa para regulament­ar a lei e deverá apresentá-la em até 60 dias. As aulas na rede municipal estão suspensas no momento por causa da pandemia de coronavíru­s.

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