Bolsonaro ignora Mandetta e visita comércio de Brasília
‘Todos vamos morrer um dia’, diz presidente, que cogita decreto para liberar trabalho
Um dia após o ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde) defender o isolamento social para evitar a propagação do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro fez um giro ontem pelo comércio do Distrito Federal.
A visita gerou aglomeração de pessoas, o que não é recomendado pelo ministério.
Em meio ao passeio por Brasília e cidades-satélites, Bolsonaro conversou com ambulantes e funcionários de lojas e posou para fotos.
“Eu defendo que você trabalhe, que todo mundo trabalhe. Lógico, quem é de idade fica em casa”, afirmou o presidente a um vendedor de espetinhos em Ceilândia.
Já na porta do Palácio da Alvorada, o presidente declarou estar com “vontade” de baixar um decreto que libere a volta das atividades
“Vamos enfrentar [o vírus] como homem, pô, não como moleque. Vamos enfrentar o vírus com a realidade, todos nós vamos morrer um dia”, disse Bolsonaro.
Indignados com a atitude do presidente, alguns governadores já estudam até mesmo acionar a Justiça caso a ideia de baixar o decreto seja levada adiante.
brasília Na contramão das orientações do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) conclamou as pessoas a voltarem para as ruas para trabalhar e disse neste domingo (29) que analisa fazer um decreto para liberar todas as atividades no país.
Em reação ao vazamento de reuniões com os seus ministros, ele desconsiderou acordo costurado no sábado (28) e passeou pelo comércio de Brasília, incentivando o coro de apoiadores a favor do fim do isolamento social em meio à pandemia do coronavírus.
O movimento do presidente frustrou uma ação coordenada entre líderes políticos, membros do Judiciário, ministros de Estado e alguns militares para cobrar de Bolsonaro uma defesa efetiva das ações do Ministério da Saúde diante do avanço da doença e uma espécie de voto de silêncio dele e da família.
Aliados do presidente afirmaram que Bolsonaro ficou irritado por ter saído da conversa como se tivesse sido “domado” pelos ministros.
“Alguns querem que eu me cale. ‘Ah, siga os protocolos’. Quantas vezes o médico não segue o protocolo? Por que que ele não segue? Porque tem que tomar decisão naquele momento. Eu mesmo, quando fui operado em Juiz de Fora, se fosse seguir todos os protocolos, fazer todos os exames, eu teria morrido”, disse o presidente ao voltar ao Palácio da Alvorada, após fazer o giro pelo comércio do Distrito Federal e incentivar que as pessoas voltem às ruas.
Ele justificou sua ida a Taguatinga e Ceilândia como uma forma de “ouvir o povo”.
“Se eu não ouvir o cara falar que está na banana, como é que eu vou me sentir para poder agir?”, disse.
O presidente afirmou ter pensado na ideia de fixar regras nacionais que permitissem a volta da população ao trabalho —medida que, além de desafiar governadores e prefeitos pelo país, poderia sofrer questionamentos legais.
“Eu estou com vontade, não sei se eu vou fazer, de baixar um decreto amanhã: toda e qualquer profissão legalmente existente ou aquela que é voltada para a informalidade, se for necessária para levar o sustento para os seus filhos, para levar leite para seus filhos, para levar arroz e feijão para casa, vai poder trabalhar”, disse.
Mais tarde, o Palácio do Planalto não confirmou se a proposta iria para frente.
Governadores pelo país responderam com indignação e falaram em reagir na Justiça contra eventual decreto.
Pelas redes sociais, o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), disse que manteria a renovação das medidas restritivas e pediu que a população “não desafie o coronavírus” e “não se oriente por ações irresponsáveis de quem quer que seja”.
“Aqui, não vamos recuar. Se for necessário, iremos até à Justiça”, disse o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB).
O pernambucano Paulo Câmara (PSB) disse ser “totalmente contra” a medida estudada pelo presidente.
Bolsonaro já havia desrespeitado as orientações do Ministério da Saúde ao participar de ato no dia 15. Após seguidas declarações do presidente minimizando a gravidade do coronavírus, Mandetta reforçou no sábado a importância das medidas de distanciamento social na atual fase da pandemia.
O presidente saiu do Alvorada pela manhã, passou no Hospital das Forças Armadas, segundo ele para dar uma olhada no “fluxo”, e depois foi a cidades-satélites de Brasília.
A visita gerou aglomeração de pessoas, enquanto a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda isolamento
“Quem só está preocupado com um lado que é cuidar da vida, que é essencial, tem que olhar o outro lado também O vírus está aí. Vamos ter que enfrentálo. Mas vamos enfrentar como homem e não como moleque. Vamos enfrentar o vírus com a realidade, todos nós vamos morrer um dia
Jair Bolsonaro
social para evitar o contágio do novo coronavírus, que já matou 136 pessoas no Brasil.
Bolsonaro falou com funcionários de supermercados, de padarias e com vendedores autônomos. “Eu defendo que você trabalhe, que todo mundo trabalhe. Lógico, quem é de idade fica em casa”, afirmou o presidente a um assador de espetinhos. “A gente tem que trabalhar”, respondeu o vendedor sob o olhar do presidente e seus seguranças.
Houve também manifestações críticas. “Presidente, confia no Mandetta, ele é o cara”, disse um homem. Uma mulher disse que, “sem isolamento, a gente não se cuida”.
No sábado, Mandetta criticou, por exemplo, as carreatas, impulsionadas por discurso do próprio presidente, que pedem a retomada da rotina em alguns estados.
Neste domingo houve mobilizações em cidades como Salvador, Caruaru (PE) e São Paulo, onde uma carreata passou pela avenida Paulista e foi recebida com panelaços de prédios e gritos de “Fora, Bolsonaro” no centro.
O presidente ignorou o apelo de ministros feito no sábado para que houvesse um alinhamento de seu discurso sobre as ações governamentais contra o novo coronavírus.
Eles falaram que era preciso maneirar no discurso por haver um distanciamento entre o que Bolsonaro e seus filhos dizem nas redes sociais e as ações propostas pelo governo.
A trégua durou menos de 24 horas. Ainda na noite de sábado, o presidente compartilhou por WhatsApp com alguns presentes no Alvorada e outras pessoas reportagens mostrando que ministros pediram um tom mais moderado. Aos aliados escolheu um culpado: o ministro da Saúde.
No domingo, ele aproveitou para cutucar indiretamente Mandetta. Bolsonaro criticou quem “só pensa na Saúde”. “Quem só está preocupa
do com um lado que é cuidar da vida, que é essencial, tem que olhar o outro lado também”, disse o presidente completando: “O vírus está aí. Vamos ter que enfrentá-lo. Mas vamos enfrentar como homem e não como moleque. Vamos enfrentar o vírus com a realidade, todos nós vamos morrer um dia”.
Imediatamente, auxiliares palacianos viram na fala um recado claro ao ministro.
No sábado, Mandetta foi quem mais falou e foi o mais duro contra as posições defendidas pelo presidente. O ministro usou o exemplo de outros países que mostram a gravidade do cenário do coronavírus.
Durante o encontro, foram apresentados cenários usados como parâmetro pela Saúde. Um deles prevê que o número de infectados no país chegue a 26 mil no dia 5 de abril.
O ministério tem trabalhado com quatro estudos para projetar a evolução do contágio, feitos pela Universidade Harvard, pela USP (Universidade de São Paulo), pela UnB (Universidade de Brasília) e pelo Cidacs (ligado à Fundação Oswaldo Cruz). O estudo da universidade americana é o que mais preocupa os técnicos.
As avaliações mostram a possibilidade de quase 2 milhões de infectados no Rio e em SP caso as medidas de restrições sejam aliviadas.
Mandetta mostrou imagens de uma pista de patinação em
Madri abrigando mortos e de caminhões do Exército levando corpos na Itália.
Bolsonaro o criticou por não apresentar um planejamento para o país sair da atual situação. O ministro pontuou que era necessário aguardar a evolução do vírus esta semana para anunciar um planejamento nacional que estava sendo discutido com os estados.
Logo depois de sair do Alvorada, deixou claro a aliados que não pedirá demissão.
O ministro disse que ninguém veria no Diário Oficial a frase “exonerado a pedido”, normalmente utilizada quando alguém pede para sair do governo.
A conversa de Mandetta com Bolsonaro foi bem vista entre técnicos e auxiliares da pasta. No domingo, após Bolsonaro romper o trato, Mandetta não se manifestou.
Depois de visitar o comércio, o presidente publicou um vídeo em suas redes sociais no fim da tarde de domingo.
Na imagem, recomenda que todos os políticos do Brasil repitam seu gesto. “Estive em Ceilândia e em Taguatinga, fui ver na ponta da linha como está o nosso povo, em especial os informais, os mais atingidos por essa onda de desemprego. Uma experiência que eu recomendo a todos os políticos.”
Ele lembrou ainda do encontro extraordinário dos líderes do G-20 realizado durante a semana por meio de
uma videoconferência.
“Na última quinta-feira tivemos uma reunião do G-20 onde os líderes se comprometeram com os seguintes itens: 1) proteger vidas, 2) salvaguardar os empregos e a renda das pessoas ,3) restabelecera confiança e 4) minimizar interrupções no comércio. Com muita responsabilidade estamos cumprindo a agenda do G-20.”
Apesar da afirmação, Bolso na rodes toados gestose discursos adotados inclusive por seus aliados, como o americano Donald Trump, que tem tratado com mais severidade acrise do coronavírus.
A agenda presidencial teve início no fim de semana com um encontro com o ministro Gilmar Mendes, do STF, apedido do A GU, André Mendonça, e do ministro Jorge Oliveira( Secretaria-Geral ).
O argumento para a conversa com Gilmar foi sua experiência como advogado-geral da União no governo Fernando Henrique Cardoso durante acrise do apagão, em 2001.
Preocupam os ministros os reveses que o governo vem tomando na Justiça, seja por decisões do próprio Supremo ou por liminares da Justiça Federal nos estados, como a que suspendeu decisão de Bolsonaro de autorizar funcionamento de lotéricas e igrejas.
Gilmar tentou mostrar ao presidente que é preciso fortalecer no momento o diálogo com Judiciário e Congresso.