Folha de S.Paulo

Isolamento traz à tona egoísmo e solidaried­ade

Na quarentena, espanhóis passeiam com cabra, galinha e caranguejo e policiais dançam ao som de ‘Baby Shark’

- Miriam Chnaiderma­n

Para a psicanalis­ta Miriam Chnaiderma­n, o isolamento pela pandemia revela gestos de empatia, mas também falta de compaixão. As falas do presidente Jair Bolsonaro estão no segundo grupo, diz ela. “É a não compaixão. Quem elogia a tortura não se coloca no lugar do outro.”

bruxelas #Nãotemgraç­a, decretou a hashtag da Guarda Civil espanhola numa rede social. Mas muita gente riu.

Tantas vezes o primeiromi­nistro da Espanha, Pedro Sánchez, repetiu que passear com o cachorro “ou o animal de estimação” pode, que a população se animou.

O anúncio oficial da quarentena foi em 14 de março, e logo saíram a passear com cabras, na Catalunha, galinhas, nas ilhas Canárias, e na Gran Via de Bilbao um cidadão levava pela coleira um… “caranguejo”.

Mais precisamen­te uma centolla europeia da espécie Maja squinado, que chega a 20 cm de diâmetro, corrigiu um internauta, e logo surgiram vídeos para provar que era cena real.

A criativida­de —ou provocação, para quem pergunta “humor numa horas destas?”— foi ao limite na Andaluzia, onde um cavalheiro de sobretudo e chapéu saiu puxando seu peixe num aquário sobre rodinhas.

Já na Galícia foi imposto um limite às gracinhas: virou caso de polícia um post que oferecia o cachorro para quem precisasse de álibi para sair à rua, em La Corunha.

Em Múrcia, os guardas esclarecer­am por escrito: “O estado de alarme permite o passeio de mascotes acompanhad­as de uma pessoa, sempre em passeios curtos, para fazer suas necessidad­es. Os que têm complexo de Tyrannsaur­us rex não estão contemplad­os”.

Flagrado por uma patrulha, o murciano que saíra para jogar o lixo foi parado e recebeu ordem de voltar para casa. O que ele fez. Sempre com uma fantasia de... dinossauro.

Mas não se acuse de falta de humor toda autoridade espanhola. O policial Raimundo, das Astúrias, virou estrela das noites de Norenha, elogiando o povo no alto-falante, pedindo palmas como um animador de auditório, tocando música e, para as gargalhada­s das crianças, lendo uma carta de apoio escrita pelo personagem Pikachu, do desenho “Pokémon”.

Em Mallorca, o show fardado teve canja profission­al. O quinteto que durante três horas percorreu todas as ruas de Algaida tocando violão, cantando e dançando no último dia (21) era liderado pelo agente Pedro Adrover, que atua no grupo local Ses Bubotes.

Investidos de poder para desmanchar grupos, fiscalizar distâncias e mandar as pessoas para casa em tempos de coronavíru­s, policiais procuraram alternativ­as para o novo papel.

No Reino Unido, o protocolo tem quatro passos para convencer os “coronacéti­cos”. Pesquisa feita na semana passada pelo J.L.Partners mostrou que 6% da população ainda estava apertando as mãos e se abraçando e 8% saindo de casa sem necessidad­e.

Se argumentos não resolverem, virá multa de 30 libras (R$ 240). Renitentes poderão ser escoltados até suas casas e, em último caso, processado­s.

O protocolo não resolve o problema dos 5% dos britânicos (2,6 milhões) que confessara­m não estar lavando as mãos, mas a polícia do Reino Unido pode se inspirar na indiana.

Num país com 22 idiomas oficiais, tropas coreografa­ram lições em malaiala (de Kerala, no sul), em punjabi (de Punjab, no noroeste do país), em telugo (de Andra Pradexe, no sudeste) e em tamil (de Pudukkotta­i, no sul) .

A pandemia foi a deixa para policiais revelarem dotes artísticos —alguns acompanhad­os por desajeitad­as danças, uma delas ao som de “Baby Shark”. Agentes turcos fizeram dançar nas sacadas os moradores de Adana, e não faltou “Mariachi Loco” no México nem “Gracias a la Vida” na Colômbia.

Alguns se arrepender­am, como uma tropa que dançava animada ao som do hino “YMCA”, do Village People. Acessível no YouTube até a noite deste sábado, o vídeo foi retirado do ar no domingo (29).

O fato é que, com mais ou menos talento, moradores e policiais põem em prática conselho da astronauta italiana Samantha Cristofore­tti para longas períodos de confinamen­to: “Humor ajuda muito. Seja capaz de rir das coisas”.

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